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Confutação de algumas heresias da Igreja Católica Romana: A tradição

 

A doutrina dos teólogos papistas

A tradição é parte da revelação de Deus e por isso deve ser respeitada a par da Escritura. ‘A tradição é o ensinamento de Jesus Cristo e dos apóstolos, feito a viva voz, e pela Igreja transmitido até nós sem alteração’ (Giuseppe Perardi, op. cit., pag. 375) [1]; ‘Fontes principais da Tradição são os Concílios da Igreja [2], os Livros litúrgicos, as Actas dos Mártires, as antigas inscrições nos túmulos e nos monumentos, as orações públicas, as obras dos Pais e dos Doutores da Igreja. – O título de Pais dá-se aos Escritores sagrados até ao século XII; o de Doutor dá-se tanto aos Pais como a outros Escritores eminentes, especialmente Santos cuja doutrina é aprovada pela Igreja e geralmente seguida’ (ibid., pag. 377) [3]. Portanto, segundo a Igreja Papista a sua tradição é constituída por preceitos que Jesus deu por palavra aos seus apóstolos, que por sua vez transmitiram por palavra a outros fiéis servidores do Senhor que por sua vez ainda oralmente a fizeram chegar inalterada a eles que são, segundo eles, a verdadeira e única igreja depositária de toda a revelação divina! Em substância a tradição é parte da revelação de Deus e como tal portanto deve ser respeitada a par da Escritura: Perardi afirma de facto que ‘nós devemos ter pela doutrina nos transmitida por Tradição, o mesmo respeito e a mesma fé que temos pela doutrina da Sagrada Escritura, pois uma e outra são verdade revelada por Deus’ (ibid., pag. 375-376) [4]. Os teólogos papistas para sustentar que toda a sua tradição, apesar de não estar escrita na Escritura, deve ser aceite da mesma maneira em que é aceite a Escritura porque também ela foi revelada por Deus fazem um discurso todo particular apoiando-se em certas passagens da Escritura. Nós agora vos proporemos este seu discurso assim como o encontramos no catecismo de Perardi. Uma só vez é declarada útil a sagrada Escritura, vale dizer quando Paulo diz a Timóteo: “Toda a Escritura é divinamente inspirada, e útil [ ou proveitosa] para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; Para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra” (2 Tim. 3:16,17). Mas não é declarada útil para os fiéis mas ‘para os sagrados ministros como auxílio a eles para ensinar, educar e corrigir (…) Útil e não já necessária’ (Giuseppe Perardi, op. cit., pag. 376). E ainda: ‘Não só nunca se impõe a leitura da Bíblia, mas se insiste para que se recordem, se conservem e se transmitam os ensinamentos aprendidos oralmente, que se tornam Tradição viva da Igreja’ (ibid.,pag. 376), e cita os seguintes versículos da Escritura para confirmar isso: “Ora, eu vos louvo, porque em tudo vos lembrais de mim, e guardais os meus ensinamentos assim como vo-los transmiti” (1 Cor. 11:2); “Assim, pois, irmãos, estai firmes e conservai os ensinamentos que vos foram transmitidos, seja por palavra, seja por epístola nossa” (2 Tess. 2:15); “Manda estas coisas e ensina-as…. até que eu volte, aplica-te à leitura, à exortação, e ao ensino…. Tem cuidado de ti mesmo e do ensinamento; persevera nestas coisas” (1 Tim. 4:11,13,16); “Conserva o modelo das sãs palavras que de mim tens ouvido na fé e no amor que há em Cristo Jesus; guarda o bom depósito pelo Espírito Santo que habita em nós” (2 Tim. 1:13,14); “Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça que há em Cristo Jesus. E o que de mim ouviste na presença de muitas testemunhas, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros” (2 Tim. 2:1,2). E a respeito de Timóteo Perardi diz: ‘Timóteo não escreveu as coisas ouvidas de S. Paulo, as ensinou segundo a ordem dele e as transmitiu por tradição’ (Giuseppe Perardi, op. cit., pag. 376).

A teoria do gérmen. O cardeal Newman (1801-1890) no seu livro O desenvolvimento da doutrina cristã, para defender a tradição, propugnou a teoria do gérmen. Segundo esta teoria a tradição da igreja católica romana ainda que não esteja contida tal e qual nos ensinamentos de Jesus todavia está contida em forma de gérmen; depois com o passar do tempo ela se desenvolveu até tomar as dimensões e a forma que hoje possui. Em outras palavras, para este cardeal houve uma evolução da doutrina de Cristo, evolução representada pela tradição. Eis algumas palavras suas tiradas deste livro que fazem perceber muito bem esta teoria do gérmen: ‘E ainda no mesmo capítulo de são Marcos lê-se: ‘O Reino de Deus é semelhante a um homem que lançou a semente à terra. Depois dorme e acorda, noite e dia, e a semente vai brotando e crescendo, mas o homem não sabe como isso acontece. porque a terra produz fruto por si mesma’. Indica-se aqui uma força vital interior, seja ela um princípio ou uma doutrina, em vez de uma simples manifestação exterior. Além disso, observamos que aqui se faz entender o carácter espontâneo e juntamente progressivo do crescimento (…) A parábola do Reino de Deus descreve também o desenvolvimento da doutrina sob um outro aspecto, a saber, indica o seu poder activo, que se traduz num processo de integração e de interpretação (….) Tendo firme que o cristianismo vem de Deus, de Deus vem necessariamente também tudo o que está nele de modo implícito e o que dele se desenvolve (…) Pela doutrina da Mediação consegue a da Expiação, da missa, dos méritos dos santos e dos mártires, as invocações a eles dirigidas e o seu culto (….) Dentre os sacramentos, depois, o batismo se desenvolve por uma parte no crisma e depois na doutrina da penitência, do purgatório e das indulgências. E a Eucaristia se desenvolve na doutrina da Presença real, na adoração da Hóstia, na ressurreição dos corpos e na virtude das relíquias (…) Estes individuais desenvolvimentos não se põem de modo independente uns dos outros, mas se entrelaçam uns com os outros e, vindo de um só gérmen crescem juntos’ (John H. Newman, Lo sviluppo della dottrina cristiana, [O desenvolvimento da doutrina cristã] Bologna 1967, pag. 82, 83,103,104).

Confutação

A tradição católica romana não pode proceder de Cristo porque anula a Palavra de Deus e por isso deve ser rejeitada

Ora, os teólogos papistas afirmam que a sua tradição procede de Cristo; mas então, como se explica o facto de esta sua tradição anular abertamente as coisas que Jesus Cristo primeiro e os apóstolos depois ensinaram e que nós encontramos escritas tão claramente na Escritura? Como é que esta sua tradição é amarga ao nosso paladar enquanto a Palavra de Deus escrita é mais doce do que o mel? Como é que a sua tradição é torta enquanto a Palavra de Deus é direita? A razão pode ser e é só uma; ela não procede de Deus. Mas então de quem procede? Do inimigo de Deus, do diabo que é mentiroso e pai da mentira: não pode ser de outro modo. Por isso não se deve ter por ela nenhum respeito mas apenas ódio, e nela não é necessário repôr alguma confiança. A tradição católica romana assemelha-se em muitos aspectos à tradição que tinham os escribas e os Fariseus no tempo de Jesus; de facto como aquela tradição, de que os escribas e os Fariseus andavam orgulhosos, anulava a lei de Moisés, ou seja a lei que Deus tinha dado ao seu povo no monte Sinai (vos recordo que os escribas e os Fariseus diziam, entre outras coisas, que se alguém dizia a seu pai ou a sua mãe: Aquilo que poderias aproveitar de mim é oferta ao Senhor, ele não era mais obrigado a honrar seu pai e sua mãe, enquanto a lei diz: Honra a teu pai e a tua mãe; e: Quem maldisser ao pai ou à mãe seja punido de morte) (cfr. Mat. 15:4,5; Mar. 7:10-12); assim a tradição da igreja católica romana, de que os papas e os seus seguidores estão tão orgulhosos de ter, anula o Evangelho de Cristo, ou seja, a palavra da graça que Deus nos transmitiu por meio do seu Filho. E isso o temos amplamente demonstrado no decorrer da nossa confutação. Mas o que fez Jesus ao constatar que os escribas e os Fariseus com a sua tradição tinham anulado a Palavra de Deus, e tinham assim fechado o reino dos céus às pessoas impedindo-lhes de lá entrar? Ele os repreendeu severamente, como mereciam. Ele disse-lhes: “Hipócritas! bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: Este povo honra-me com os lábios; o seu coração, porém, está longe de mim. Mas em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens” (Mat. 15:7-9). Estas são palavras de Cristo que trovejam contra todos aqueles que estão à cabeça desta pseudo-igreja os quais preferem observar e fazer observar aos outros preceitos humanos que se desviam da verdade, em vez de a Palavra de Deus. Mas além de repreender os escribas e os Fariseus Jesus pôs de sobreaviso os seus discípulos da doutrina dos Fariseus que tinha anulado a Palavra de Deus dizendo aos seus discípulos: “Acautelai-vos do fermento dos fariseus” (Lucas 12:1; cfr. Mat. 16:6-12), e assim ainda hoje ele nos manda para nos acautelarmos do fermento da igreja romana para não nos corromper. “Um pouco de fermento faz levedar toda a massa” (1 Cor. 5:6), diz a Palavra, por isso estai atentos para não assimilar nenhuma das heresias da igreja romana. Irmãos, “não vos escrevi porque não soubésseis a verdade, mas porque a sabeis, e porque nenhuma mentira vem da verdade” (1 João 2:21).

 

A teoria do gérmen de Newman é uma mentira a par da teoria da evolução de Darwin
 
Jesus disse um dia explicando a parábola do semeador que “a semente é a palavra de Deus” (Lucas 8:11); portanto ele comparou o seu ensinamento à semente semeada pelo semeador. Ora, como todo o ensinamento de Jesus é bom, deve-se dizer que toda a semente de que ele falou era em tudo e para tudo boa, privada de qualquer gérmen mau. E portanto do seu puro ensinamento não podiam e não podem brotar doutrinas que contrastam e anulam as suas próprias palavras, ou seja, heresias. Queremos dizer com isto que Jesus não semeou da semente que continha no interior gérmens maus que depois com o tempo se desenvolveram até se tornarem plantas venenosas. Não, de modo nenhum. Mas com o passar do tempo homens ou na sua ignorância sem se darem conta ou por má-fé para enganar os outros, na boa semente introduziram gérmens maus, representados pelas suas interpretações falsas, pelas suas opiniões erradas, e por doutrinas estranhas, que por sua vez fazem brotar inevitavelmente outras perversidades porque “um abismo chama outro abismo” (Sal. 42:7) e porque “um pouco de fermento faz levedar toda a massa” (1 Cor. 5:6). Esta foi uma obra do diabo, que é o enganador de todo o mundo, chamado “o inimigo” (Mat. 13:39) de Jesus porque tem em aversão a verdade, que conseguiu portanto a pouco e pouco introduzir no meio do Evangelho estranhas doutrinas, fazendo-as passar por tradições apostólicas, as quais acabaram por anular o Evangelho da graça de Deus. E assim a verdade começou a ser semeada junto com muitos erros. Mas enquanto a verdade, a boa semente da Palavra de Deus, continuou a fazer bem aos que a aceitaram assim como é, ou seja, sem qualquer adulteração, o erro (o gérmen mau introduzido pelo diabo com a sua astúcia) gerou muitos outros erros que são precisamente os preceitos da tradição católica romana que causaram danos e delitos em número infinito durante os séculos. Basta tomar o diabólico preceito que impede aos padres de se casarem (desenvolvido também a seguir a uma errada interpretação dada à ceia do Senhor) para dar conta das nefastas consequências que ele tem tido sobre a sociedade e sobre eles mesmos; mas a mesma coisa se pode dizer da missa (desenvolvida também ela pelo errado significado dado à ceia do Senhor), das indulgências (cuja origem está num errado significado dado às palavras de Jesus: “Àqueles a quem perdoardes os pecados lhes são perdoados” (João 20:23) que deu vida ao sacramento da penitência), e de todas as outras heresias da igreja romana. Portanto, a tradição católica romana que anula o Evangelho da graça não estava de modo algum contida em gérmen no ensinamento de Jesus; porque ela derivou dos gérmens maus e enganadores brotados dos corações de bispos, papas, cardeais, e muitos outros. É pois nestes gérmens que importa procurar as origens das tradições da igreja católica romana que não estão, segundo a cúria romana, explicitamente contidas na Palavra de Deus, e não na Palavra de Deus, pura de toda a escória. E de facto não é na Palavra de Deus que eu encontrei as tradições da igreja católica romana que tenho confutado até aqui, mas nas interpretações erradas dadas pelos seus chamados pais e papas; lendo a Palavra de Deus guiados pelo Espírito da verdade não se pode minimamente entrever nela a tradição católica romana, nem sequer contida em gérmen. Mas então como é que os católicos conseguem pelo contrário ver nela a tradição? Porque eles não se fazem guiar pelo Espírito de Deus na leitura da Palavra, mas sim pelo magistério da igreja católica que sabe como transformar a luz em trevas, e fazer dizer a Jesus e aos apóstolos o que eles nunca disseram. Por um certo lado esta teoria do gérmen avançada por Newman assemelha-se à teoria de Darwin que ‘afirmou que o homem estava ligado à vida animal por meio de tipos ancestrais comuns’, ou seja, que descendia de animais. O que nós sabemos não poder ser verdadeiro porque a Escritura ensina que o homem é uma criatura de Deus formada por Deus à sua imagem e semelhança enquanto os animais não foram feitos à sua imagem e semelhança, e porque o homem foi formado separadamente dos animais e subsequentemente a eles. Não há pois nenhuma conexão entre o homem e os animais; como também não há nenhuma conexão entra a Palavra de Deus e a tradição perversa da igreja católica romana. Afirmar que a tradição católica romana se tenha espontaneamente desenvolvido da semente da Palavra de Deus é como afirmar que a verdade pode gerar a mentira; que a Palavra de Deus tem o poder de desenvolver doutrinas diabólicas. Mas o que tem a ver a mentira com a verdade? Nada. Jesus Cristo é a verdade, ele é a Palavra de Deus e um dia disse referindo-se ao diabo, que é pai da mentira: “Ele nada tem em mim” (João 14:30); portanto é impossível pensar que das palavras de Jesus tenham podido a seguir sair – isto é desenvolver-se – o purgatório, a missa, o papado, as indulgências, o culto a Maria e aos santos, as orações pelos mortos (para citar só algumas); todas doutrinas que contrastam a Palavra de Deus porque foram geradas pelo diabo que é mentiroso e pai da mentira. Se fosse de outro modo teríamos que afirmar que na verdade que era Cristo Jesus estava escondida também a mentira!! Em suma que o diabo tivesse alguma coisa em Jesus!! é portanto diabólico o raciocínio de Newman; porque também ele se opõe à verdade. Ninguém vos engane irmãos com os seus sofismas.
 
O discurso feito com as Escrituras para sustento da tradição é falso
 
Como vimos Perardi afirma que uma só vez a Escritura é declarada útil (proveitosa) e depois que ela é declarada útil para os sagrados ministros e não para todos os fiéis e depois que ela é útil e não necessária. Como replicamos nós? Assim. Antes de mais dizemos que é falso que só uma vez a Escritura é declarada útil, porque Paulo a Tito na parte final da epístola lhe diz: “Estas coisas são boas e úteis [ ou proveitosas] aos homens” (Tito 3:8). Quais são estas coisas úteis de que Paulo fala senão as coisas que lhe escreveu? E depois é necessário dizer que há muitas outras passagens que fazem perceber claramente que as coisas que foram escritas por inspiração do Espírito Santo são úteis; entre estas citamos esta: “Porque tudo o que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança” (Rom. 15:4). Como podeis ver o discurso de Perardi é vão. Vejamos agora a questão da passagem a Timóteo se referir aos ministros de Deus e não a todos os fiéis; mas que significa isto? Que para os que receberam um ministério de Deus, como o tinha recebido Timóteo, a Escritura é útil enquanto para os que não têm um ministério não é útil? Mas isto é loucura. Paulo diz aos Romanos que “tudo o que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito” (Rom. 15:4), portanto para ensinar não só os ministros de Deus mas também os que não têm um ministério, em suma para todos os membros do corpo de Cristo. E citando ainda as palavras de Paulo a Tito “estas coisas são boas e úteis [ ou proveitosas] aos homens” (Tito 3:8), ele não diz ‘são úteis aos homens de Deus’, mas “aos homens” em geral sem nenhuma distinção. Mas que vão tagarelando esses guias cegos? O facto depois de Perardi dizer que a Escritura é útil mas não necessária, é a enésima prova de quanto astutos são os teólogos papistas no expor as suas doutrinas. Mas então se a Escritura não é necessária por que é que Deus quis que fosse escrita? Mas então a Escritura para os teólogos romanos é só um auxílio para os homens e nada mais! Mas então nos expliquem como é que Moisés disse ao povo: “Porque esta palavra não vos é vã, antes é a vossa vida” (Deut. 32:47)! É claro que o seu discurso tende para não fazer aparecer a Escritura como a única Palavra de Deus existente sobre a terra!
Vejamos agora as afirmações de Perardi segundo as quais nunca se impõe a leitura da Bíblia mas se devem recordar conservar e transmitir os ensinamentos aprendidos oralmente, (e para fazer isso cita as passagens que vimos) que constituem a tradição da igreja. As coisas não são de modo nenhum assim como ele diz. Antes de mais é errado dizer que não se impõe a leitura da Bíblia, porque está escrito na lei a respeito do rei: “Será também que, quando se assentar sobre o trono do seu reino, então escreverá para si num livro, uma cópia desta lei, do original que está diante dos sacerdotes levitas. E o terá consigo, e nele lerá todos os dias da sua vida, para que aprenda a temer ao Senhor seu Deus, e a guardar todas as palavras desta lei, e estes estatutos, a fim de os cumprir; para que o seu coração não se exalte sobre os seus irmãos, e não se aparte do mandamento, nem para a direita nem para a esquerda; e prolongue assim os seus dias no seu reino, ele e seus filhos no meio de Israel” (Deut. 17:18-20). Ainda na lei está escrito que Moisés, depois de ter escrito num livro a lei do Senhor, a deu aos sacerdotes levitas e deu-lhes esta ordem: “Ao fim de cada sete anos, no tempo determinado do ano da remissão, na festa dos tabernáculos, quando todo o Israel vier a comparecer perante ao Senhor teu Deus, no lugar que ele escolher, lereis esta lei diante de todo o Israel, para todos ouvirem” (Deut. 31:10,11). Deus disse a Josué: “Não se aparte da tua boca o livro desta lei, antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme tudo quanto nele está escrito; porque então farás prosperar o teu caminho, e serás bem sucedido” (Josué 1:8). O profeta Isaías diz: “Buscai no livro do Senhor, e lede” (Is. 34:16). O profeta Jeremias depois de ter escrito por ordem de Deus as palavras que Deus lhe tinha revelado, por ordem de Deus disse a Baruque: “Eu estou impedido; não posso entrar na casa do Senhor. Entra pois tu e, pelo rolo que escreveste enquanto eu ditava, lê as palavras do Senhor aos ouvidos do povo, na casa do Senhor…” (Jer. 36:5,6). O apóstolo Paulo escreveu aos Colossenses: “E, quando esta epístola tiver sido lida entre vós, fazei que também o seja na igreja dos laodicenses…” (Col. 4:16); e aos Tessalonicenses disse: “Pelo Senhor vos conjuro que esta epístola seja lida a todos os irmãos” (1 Tess. 5:27). E João diz: “Bem-aventurado aquele que lê e bem-aventurados os que ouvem as palavras desta profecia e guardam as coisas que nela estão escritas; porque o tempo está próximo.!” (Ap. 1:3).
Depois de ter citado todas estas passagens que ordenam a leitura (pública e privada) da Bíblia para o nosso bem e as palavras de João que afirmam que quem a lê é bem-aventurado, se compreende o porquê de na igreja romana vigorar uma grande ignorância das Escrituras; porque eles descuram a leitura privada e pública da Palavra de Deus. A começar pelo chamado papa, e depois prosseguindo com os cardeais, com os bispos, com os padres, com os frades, com as freiras e por fim os simples membros da igreja romana todos jazem na ignorância da Palavra de Deus porque descuram a leitura da Bíblia. Sim, é verdade que hoje a leitura da Bíblia não é mais proibida ao povo como outrora; mas permanece o facto de a sua leitura ser pilotada pela cúria romana que sabe como fazê-la ineficaz. Nas Bíblias católicas se encontram de facto muitas notas ‘explicativas’ que têm como fim o de anular muitos e muitos versículos da Palavra de Deus [5] escritos tão claramente que destroem as pretensões da igreja romana. Prova esta eloquente de que a cúria romana na realidade não ama a Palavra de Deus e não quer que os homens a leiam para entendê-la rectamente mas só a fim de reter os seus falsos ensinamentos que levam à perdição quem os aceita. Mas então por que é que agora ela permite a leitura da Bíblia ao povo seja todavia com notas, com o perigo sempre porém de alguém não se apoiar nelas para a perceber? Se eles agora permitem a leitura da Bíblia aos seus membros é porque não puderam fazer de outro modo depois da Reforma; foram obrigados mal-grado seu a permiti-la para não parecer malvados. Senão que figura fariam os papas diante da divulgação da Bíblia operada pelos Protestantes? Mas permanece o facto de estes detestarem a Bíblia como a detestavam séculos e séculos atrás ao tempo das inquisições. Parecerá um contra-senso tudo isto mas é assim; este é o comportamento dos hipócritas. Mas nós queremos levantar a nossa voz para que os Católicos leiam a Palavra de Deus e a entendam rectamente para que possam ser libertados das amarras desta religião e chegar ao conhecimento da verdade que está em Cristo Jesus. Ó Católicos romanos, vos conjuramos a ler a Palavra de Deus (sem vos apoiardes nas explicações desviantes do vosso magistério) porque ela fala da grande salvação que Cristo Jesus veio dar aos homens; Ele pode salvar-vos perfeitamente se vós abrirdes o vosso coração ao amor da verdade!
Mas vejamos agora as passagens que Perardi toma para sustentar que a tradição católica romana não é mais que o ensinamento oral de que se fala nelas. Ora, começamos por fazer esta premissa; nós não excluímos que Jesus ou o apóstolo Paulo ou outros apóstolos, tenham dirigido ensinamentos ou dito coisas que não estão escritas. Me explico melhor; nós não sabemos com precisão quais foram as coisas que Jesus disse aos seus discípulos nos quarenta dias que precederam a sua ascensão; sabemos que Jesus naqueles dias falou “das coisas concernentes ao reino de Deus” (Actos 1:3); mas não podemos dizer mais. Também quando está escrito que Jesus instruía as multidões e nada mais nós não podemos dizer com certeza absoluta quais eram os seus particulares ensinamentos naquelas circunstâncias (cfr. Mat. 4:23; Lucas 4:15; 5:3) (mesmo se estamos convencidos que ele repetiu mais vezes os ensinamentos que estão transcritos). Está dito que Jesus, quando lhe foi levada aquela mulher apanhada em adultério, “inclinando-se, começou a escrever com o dedo na terra” (João 8:6); mas não sabemos até ao presente o que foi que ele escreveu. João diz que “Jesus, pois, operou também em presença de seus discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro” (João 20:30), e também que “há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez; e se cada uma das quais fosse escrita, cuido que nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem” (João 21:25); e como quando Jesus operava milagres ou curas muitas vezes proferia também palavras com a sua boca, é necessário dizer que nós não sabemos quais foram estas palavras que Jesus disse quando operou aqueles milagres e as curas que não estão escritas nem por Mateus, nem por Marcos, nem por Lucas e nem por João. Diversas vezes está escrito que Jesus se retirava sozinho para lugares desertos e orava; mas não está escrito o conteúdo de todas as orações que Jesus dirigiu ao seu Pai.
Também por quanto respeita ao apóstolo Paulo é necessário dizer que não podemos dizer que na Bíblia estão escritas todas as coisas que ele pregou, ensinou por palavra e por escrito, e fez; basta recordar que ele diz aos Coríntios: “Já por carta vos tenho escrito, que não vos associeis com os fornicadores” (1 Cor. 5:9), e que esta carta nós não a possuímos; ou que diz aos Colossenses para lerem a Epístola “que veio de Laodicéia” (Col. 4:16), que nós não possuímos, para entender como estas duas epístolas de Paulo não são parte do Cânon porque não chegaram a nós. Podemos acrescentar também o facto de ele aos coríntios dizer: “Quanto às demais coisas, ordená-las-ei quando for” (1 Cor. 11:34) e nós não sabemos quais foram as coisas e como ele as ordenou porque isso não está escrito. O facto de não sabermos o que em particular ele discutiu em Éfeso com os discípulos na escola de Tirano (cfr. Actos 19:9), ou qual foi o seu discurso que ele dirigiu aos crentes de Trôade na noite em que Êutico caiu do terceiro andar (Actos 20:7-11). Mas além destes exemplos poderíamos fazer muitos outros.
Mas este discurso por nós feito exclui da maneira mais absoluta que Jesus ou os apóstolos tenham transmitido por palavra ensinamentos errados como os que tem a igreja romana. Me explico; mesmo se não está escrito de que coisa específica Jesus falou aos seus durante os quarenta dias, ou às multidões quando está só escrito que ele as instruía, é de excluir-se que Jesus tenha transmitido aos seus discípulos ou às multidões o batismo e a ceia do Senhor como a cúria romana os ensina ao povo, e os outros cinco sacramentos ensinados pela cúria romana, ou a doutrina sobre o purgatório, ou a de nos devermos dirigir em oração aos anjos ou a Maria sua mãe ou aos apóstolos quando estivessem mortos, ou a do celibato forçoso para os ministros do Evangelho e assim por aí fora; porquê? Porque não são verdade! Também por quanto respeita a Paulo não se pode dizer que nas coisas que ele transmitiu por palavra aos fiéis de Tessalónica ou de alguma outra cidade, ou a Timóteo, estivessem o purgatório, as indulgências, a transubstanciação, a Via Crucis, o culto a Maria, aos santos, aos anjos, e tantas outras coisas. Porquê? Ainda pela mesma razão: porque elas não são verdade que procedem de Deus, mas mentiras que procedem do diabo. Jesus nunca se contradisse, Paulo, Pedro e os outros apóstolos nunca se contradisseram a eles, nem entre eles, e nunca contradisseram os ensinamentos de Jesus; os seus ensinamentos formam um todo bem compacto. Portanto todas as doutrinas que são atribuídas ou a Jesus ou aos apóstolos, mas que contradizem os ensinamentos do próprio Jesus e dos apóstolos devem ser rejeitadas sem hesitação porque são imposturas. O modo de falar da cúria romana acerca da tradição, isto é, as suas palavras que atribuem a sua tradição aos apóstolos, é muito semelhante ao de alguns falsos doutores que surgiram no meio do povo de Deus depois da morte dos apóstolos (vale dizer nos primeiros séculos depois de Cristo), os quais para sustentar as suas heresias de perdição se apegavam à tradição apostólica dizendo que se bem que as suas doutrinas não estivessem na Bíblia eles as tinham recebido por tradição de alguns que tinham estado em contacto com os apóstolos de Cristo. Não há pois nada de novo debaixo do sol; os factos demonstram que a igreja romana, não podendo demonstrar as suas doutrinas não bíblicas com as Escrituras porque estas as condenam ou não fazem menção delas, recorre ao velho engano, ou seja, diz ter recebido estas suas doutrinas não directamente dos apóstolos mas indirectamente deles. E para sustentar a autenticidade das suas heresias cita as mesmas palavras de Jesus que usavam os falsos doutores nos primeiros séculos depois de Cristo, a saber: “Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora. Mas, quando vier aquele, o Espírito da verdade, ele vos guiará em toda a verdade… vos anunciará as coisas vindouras” (João 16:12,13). Querendo com isto dizer que Jesus não tinha dito tudo aos apóstolos, com efeito, tinha-lhes prometido que por meio do Espírito lhes revelaria outras coisas, entre as quais precisamente estão as suas tradições. Mas nós confutamos esta sua asserção dizendo isto: sim, é verdade que o Espírito da verdade revelaria aos apóstolos outras coisas; e em verdade o fez e para dar conta disso basta ler as epístolas dos apóstolos: mas eles esquecem que o Espírito é a verdade, e que diria o que ouviria de Jesus, de facto receberia do que é seu e lhes o anunciaria (cfr. João 16:14,15). Enquanto as coisas que eles dizem não podem ter sido reveladas pelo Espírito da verdade, porque são mentiras que procedem do diabo. O adversário contrasta a verdade, ele contradiz o que está escrito; ele comunicou aos teólogos Católicos romanos as heresias que venderam por Palavra de Deus.
À cúria romana que resiste à verdade como fizeram Janes e Jambres são dirigidas estas palavras da parte do Espírito: “Homens de dura cerviz, e incircuncisos de coração e ouvido, vós sempre resistis ao Espírito Santo; como o fizeram os vossos pais, assim fazeis também vós” (Actos 7:51); e também estas: ‘Ó filhos do diabo, cheios de todo o engano e de toda a malícia, inimigos de toda a justiça, não cessareis de perverter os caminhos rectos do Senhor?’
Para vós homens e mulheres que sois arrastados atrás da árida e mortífera tradição católica romana que leva à perdição é dito: “Não andeis nos estatutos de vossos pais, nem guardeis as suas ordenanças, nem vos contamineis com os seus ídolos” (Ez. 20:18); não vades a Lourdes, não subais a Fátima, nem vos dirijais a Loreto porque de certo estas viagens não vos levam à salvação, estes lugares serão atingidos pelo furor de Deus e destruídos; “buscai o Senhor, e vivereis” (Amós 5:6), circuncidai os vossos corações para que o furor de Deus não vos consuma por causa da vossa idolatria. Vos conjuramos ó homens a sair desta organização na qual estais encerrados para que não sejais participantes dos seus pecados e não tenhais parte nas suas pragas. Hoje, se ouvirdes a sua voz não endureçais os vossos corações!
 
O que disseram alguns chamados pais da igreja sobre o que não está expressamente escrito
 
Como vimos os escritos daqueles que a igreja católica chama pais da igreja são parte da sua tradição. Eles são tão altamente considerados que o concílio de Trento na sua quarta sessão declarou que ninguém deve ousar interpretar a Escritura ‘contra o unânime consenso dos pais’. Ora, como a igreja romana afirma que a verdade não está contida só na Bíblia mas também na tradição, e como nós sabemos que a tradição católica romana não é sustentada pela Escritura, queremos ver o que alguns destes antigos escritores que ela chama pais da Igreja e que tem em grandíssima estima disseram se dever fazer a propósito do que não pode ser confirmado pela Escritura ou que não faz parte da Escritura e contradiz a Escritura.
Ÿ Basílio (330-379) disse: ‘Rejeitar alguma coisa que se encontra nas Escrituras, ou receber algumas coisas que não estão escritas, é um sinal evidente de infidelidade, é um acto de orgulho… o fiel deve crer com plenitude de espírito todas as coisas que estão nas Escrituras sem tirar ou acrescentar nada’ (Basílio, Lib. de Fid. — regul. moral. reg. 80; citado por Luigi Desanctis em La tradizione, terceira ed. Firenze 1868, pag. 19);
Ÿ Ambrósio (340 ca. -397) disse: ‘Quem ousará falar quando a Escritura cala?… Nós nada devemos acrescentar à ordem de Deus; se vós acrescentais ou tirais alguma coisa sois réus de prevaricação’ (Ambrósio, Lib. II de vocat. Gent. cap. 3 et lib. de parad. cap. 2; citado por Luigi Desanctis in op. cit.,pag. 19).
Ÿ Jerónimo (347 ca. – 419-20 ca.) disse: ‘Se vós quereis clarificar as coisas em dúvida, ide à lei e ao testemunho da Escritura; fora dali estais na noite do erro. Nós admitimos tudo o que está escrito, rejeitamos tudo o que não está. As coisas que se inventam sob o nome de tradição apostólica sem a autoridade da Escritura são feridas pela espada de Deus’ (Jerónimo, In Isaiam, VII; In Agg., I; citado por Roberto Nisbet in op. cit., pag. 28).
Ÿ Cipriano (200 ca. – 258) disse: ‘Que orgulho e que presunção é igualar tradições humanas às ordenanças divinas…!’ (Cipriano, Epist. 71; citado por Teofilo Gay em Arsenale antipapale, Firenze 1882, pag. 204-205);
Ÿ Justino Mártir (morto em 165 ca.) disse: ‘Não temos algum mandamento de Cristo que nos obrigue a crer nas tradições e nas doutrinas humanas, mas somente naquelas que os bem-aventurados profetas promulgaram e que Cristo mesmo ensinou, e eu tenho cuidado de referir todas as coisas às Escrituras e pedir a elas os meus argumentos e as minhas demonstrações’ (Justino Mártir, Diálogo com Trifão)
Ÿ Tertuliano (160 ca. – 220 ca.) disse: ‘Mostre-nos a escola de Hermógenes que o que ela ensina está escrito: se não está escrito, trema em vista do anátema fulminado contra aqueles que acrescentam à Escritura, ou tiram alguma coisa dela’ (Tertuliano, Contra Hermógenes, cap. 22).
Ora, lendo todas estas declarações se deduz que os mesmos escritores que a igreja romana toma para sustentar algumas das suas falsas doutrinas (porque com efeito os supracitados escritores ensinaram doutrinas falsas, contradizendo-se) eram contra as doutrinas e práticas que não podiam ser demonstradas com as Escrituras e que eram feitas passar por tradição apostólica (reiteramos porém com força ainda que estes se contradisseram aceitando e ensinando doutrinas que não são prováveis com a Escritura e vão abertamente contra ela, e isso o demonstraremos mais tarde). Portanto, a igreja católica romana não se atém nem ela a tudo aquilo que disseram os seus pais porque não rejeita tudo o que não está escrito nas sagradas Escrituras como sugerem (contradizendo-se porém na prática) que se faça estes seus pais. Ela, pela enésima vez se contradiz (como fizeram os seus pais) porque por um lado diz que é necessário interpretar as Escrituras por meio dos pais e depois que é necessário aceitar as tradições da mesma maneira em que se aceita a Escritura (o concílio Vaticano II declarou de facto que a Escritura e a tradição ‘devem ser aceites e veneradas com igual sentimento de piedade e respeito’ [Concílio Vaticano II, Sess. VIII, cap. II]) o que vai abertamente contra o consenso destes seus pais. Por que motivo pois a igreja romana fala e age desta maneira contraditória? A razão é porque ela não quer absolutamente rejeitar e renegar a sua tradição. Rejeitá-la de facto significaria ter que renunciar ao poder temporal e a uma inexorável fonte de dinheiro.
 
A igreja romana rejeita o ensinamento do milénio dos seus chamados pais
 
Segundo a Escritura Jesus Cristo quando voltar à terra instaurará um reino milenário de facto João diz: “E vi as almas daqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus, e pela palavra de Deus, e que não adoraram a besta, nem a sua imagem, e não receberam o sinal em suas testas nem em suas mãos; e reviveram, e reinaram com Cristo durante mil anos. Mas os outros mortos não reviveram, até que os mil anos se acabaram. Esta é a primeira ressurreição. Bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte; mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com ele mil anos” (Ap. 20:4-6). Esta doutrina foi crida e proclamada por alguns destes ditos pais da igreja, como por exemplo Papias, Ireneu, Tertuliano, Justino mártir, Lactâncio, Melitão e Metódio (Agostinho primeiro a aceitou e depois a rejeitou).
Mas a igreja romana a rejeita porque a considera uma heresia; lê-se de facto na Enciclopédia Católicana palavra milenarismo: ‘Erro escatológico, segundo o qual Jesus Cristo deve reinar visivelmente mil anos sobre esta terra, no fim do mundo’ (Enciclopédia Católica, vol. 8, 1008-1009). Assim dizendo ela vai contra aqueles mesmos escritores que ela considera os pais da igreja. Assim fazendo contradiz os seus pais e se contradiz a si mesma. Isto demonstra que se a cúria romana decide rejeitar algo de justo que disse Ireneu ou Lactâncio ou Justino Mártir ou Tertuliano, ela o faz com a mesma desenvoltura com a qual aceita as suas falsas doutrinas sem cuidar de parecer contraditória. A este ponto é lícito perguntar-se: como fazem eles para declarar que as Escrituras devem-se interpretar segundo o consenso dos pais e depois ela mesma rejeita abertamente justas interpretações suas dadas a respeito das palavras de João no Apocalipse a respeito do milénio (aqui me refiro à interpretação de um reino milenário visível, e não a convicções suas fantasiosas a propósito do milénio)? A resposta é que ela da sua chamada venerável e autorizada tradição retém o que lhe é cómodo (de Papias por exemplo aceita que Pedro veio a Roma mas não o milénio) mas rejeita o que a contraria. É pois absurdo ouvi-la dizer que a tradição é também ela Palavra de Deus e ela mesma mostra em alguns casos não tê-la de modo algum em consideração. Como pode ela então dizer aos Católicos para venerarem uma tradição que ela mesma despreza quando quer? E como podem os Católicos confiar numa tradição que não só se contradiz a si mesma mas é contradita pela actual igreja católica romana? Por que pois os católicos deveriam aceitar a tradição quando os seus próprios guias demonstram rejeitar uma parte dela?
Ó Católicos romanos, é hora de reflectirdes sobre este modo de agir dos vossos guias cegos; é hora de cairdes em vós mesmos e de rejeitardes em bloco esta tradição que anula a Palavra de Deus mas que vos é feita passar por infalível Palavra de Deus.
 
Casos em que os chamados pais vão contra a tradição católica romana
 
Vamos agora ver como os chamados pais eram contra algumas das doutrinas que hoje são parte da tradição romana.
Ÿ Ireneu (150 ca.- 200 ca.) reprovou o culto das imagens, com efeito, afirmou que os primeiros a introduzir na Igreja o culto das imagens foram os Gnósticos: ‘Denominam-se gnósticos e têm algumas imagens pintadas, outras também fabricadas com outro material, dizendo que são a imagem de Cristo feita por Pilatos no tempo em que Jesus estava com os homens. E as coroam e as expõem com as imagens dos filósofos do mundo, a saber, com a imagem de Pitágoras, de Platão, de Aristóteles e dos outros, e reservam a elas todas as outras honras, precisamente como os pagãos’ (Ireneu, Contra as heresias, Livro I, cap. 25,6).
Ÿ Atenágoras (II sec.) era contra o oferecer incenso a Deus: ‘O artífice e o pai deste universo não precisa nem de sangue, nem de gordura, nem de perfume de flores ou de aromas..’ (Atenagora, Supplica per i cristiani [ Súplica pelos cristãos] , Alba 1978, pag. 62).
Ÿ Tertuliano (160 ca. – 220 ca.) era contra o primado do bispo de Roma sustentado pela igreja romana, com efeito, escrevendo ao bispo de Roma que tinha apelado ao “Tu és Pedro” para sustentar a sua própria autoridade diz: ‘Quem és tu que (de tal modo) subvertes e deformas a intenção manifestada pelo Senhor, que conferia tal poder pessoalmente a Pedro?’ (Tertuliano, De pudicitia 21); Tertuliano era contra a perpétua virgindade de Maria, com efeito, ele sustentava que Maria não permaneceu virgem após ter dado à luz Jesus [6]. E ainda Tertuliano era contrário à doutrina da transubstanciação, com efeito, afirmou: ‘Depois de ter declarado, portanto, desejar fazer a ceia de Páscoa que Lhe pertencia, – teria sido indigno se Deus tivesse desejado algo que não lhe pertencia – tomou o pão e o distribuiu aos seus discípulos e fez dele, o seu corpo, dizendo: ‘Isto é o meu corpo ‘, isto é, ‘a forma do meu corpo’. Mas não poderia ser a forma do corpo, se não tivesse havido o corpo de realidade. De resto, uma coisa vazia, isto é um fantasma, não teria podido admitir uma figuração. Ou se Cristo figurou o corpo no pão por este motivo, da falta da realidade do corpo, então deveria ter dado o pão por nós’ (Tertuliano, Contra Marcião IV, 40). Tertuliano era também contra o uso do incenso no culto: ‘A nossa oferta não consiste já em grãos de incenso de pouco preço, em lágrimas de planta arábica…’ (Tertuliano, Apologético, Bologna 1980, pag. 123); e contra o fazer-se estátuas e imagens: ‘O diabo introduziu no mundo os artistas que fazem as estátuas e as imagens e todas as outras representações (…) dizendo Deus: tu não farás alguma semelhança das coisas que estão no céu nem na terra nem no mar, proibiu aos seus servos em todo o mundo de se abandonarem ao exercício dessas artes’ (Tertuliano, Sobre a idolatria, livro 3, IV). Ele era também contra o batismo dos bebés: ‘Por isso, embora tendo em conta as situações, as disposições e também a idade de cada pessoa, adiar o batismo apresenta maior utilidade, sobretudo quando tem a ver com crianças. Se não há casos graves, que necessidade há de também pôr os padrinhos em risco de não poder manter, em caso de morte, as promessas que fizeram ou de ficarem frustrados se aquelas crianças crescem depois com más tendências? Certamente o Senhor disse: Não impeçais as crianças de virem a mim (Mt 19,14). Venham, mas quando forem maiores e poderem ser instruídas, venham quando poderem saber onde vão; tornem-se cristãs, quando forem capazes de conhecer Cristo! Por que é que crianças inocentes deveriam ter tanta pressa de receber o perdão dos pecados? Para os negócios da nossa vida ordinária no mundo nos comportamos com bastante prudência e cuidado; a uma criança ninguém confia a administração de bens terrenos, por que então lhe confiar a responsabilidade de bens divinos? Aprendam também elas a pedir a salvação para que se veja com clareza que tu a salvação a dás a quem a pede!’ (Tertulliano, Il battesimo [ O batismo] , Roma 1979, pag. 162-163).
Ÿ Orígenes (185 ca. – 254) era contra o primado de Pedro: ‘Se tu imaginas que só sobre Pedro tenha sido fundada a Igreja o que poderias tu dizer de João, o filho do trovão, ou de qualquer outro apóstolo? Todo aquele que faz sua a confissão de Pedro pode ser chamado um Pedro’ (Orígenes, Comentário a Mateus 12: 10-11: citado por Fausto Salvoni em Da Pietro al papato [ De Pedro ao papado] , pag. 92).
Ÿ Cipriano (200 ca. – 258) era contrário a atribuir o primado a Pedro por causa das palavras que Jesus lhe dirigiu, com efeito, escreveu: ‘Jesus falou a Pedro, não porque lhe atribuísse uma autoridade especial, mas apenas porque revelando-se a um só fosse visível o facto de a igreja dever ser toda unida na fé de Cristo. Pedro é apenas o ‘símbolo’, o ‘tipo’ de todos os apóstolos e de todos os bispos’ (Cipriano, De catholica ecclesiae unitate c. 4-5; citado por Fausto Salvoni in op. cit., pag. 93) [7].
Ÿ Eusébio (260 ca. – 340) era contra a imaculada conceição de Maria, com efeito, disse: ‘Ninguém está isento da mancha do pecado original, nem a mãe do Redentor do mundo. Só Jesus está isento da lei do pecado, apesar de ter nascido de uma mulher sujeita ao pecado’ (Eusébio, Emiss. in Orat. II de Nativ.; citado por Teofilo Gay in op. cit., pag. 129).
Ÿ Ambrósio (340 ca. -397) de Milão era contrário ao primado de Pedro, com feito, disse: ‘Pedro… recebeu um primado, mas um primado de confissão e não de honra, um primado de fé e não de ordem’ (‘Petrus… primatum egit, primatum confessionis utique non honoris, primatum fidei non ordinis’. Ambrósio, De incarnationis dominicae sacramento IV; citado por Fausto Salvoni in op. cit., pag. 96). Ambrósio era também contra a imaculada conceição de Maria, com efeito, afirmou: ‘Jesus é o único que os laços do pecado não prenderam; nenhuma criatura concebida pelo acoplamento do homem e da mulher, foi isenta do pecado original; Só foi isento dele Aquele que foi concebido, sem o acoplamento, de uma virgem por obra do Espírito Santo’ (Ambrósio, In Psalm. 118; citado por Teofilo Gay in op. cit.,pag. 129).
Ÿ Lactâncio (sec. III-IV) era contra as estátuas e as imagens: ‘Portanto não há dúvida que onde quer que haja uma estátua ou uma imagem não há religião. Porque se a religião consiste de coisas divinas, e se não há nada de divino excepto em coisas que são celestes, as imagens carecem de religião, dado que não pode haver nada de celeste naquilo que é feito de terra’ (Lactantius, The Divine Institutes [Instituições divinas], Washington 1964, Liv. II, cap. 18, pag. 162).
Ÿ Epifánio (nascido após 310 e morto em 403), bispo de Chipre, era contra as imagens, com efeito, na sua carta ao bispo João afirma: ‘Eu encontrei um véu suspenso nas portas desta mesma igreja, o qual estava colorido e pintado, ele tinha uma imagem, a imagem de Cristo pode ser ou de algum santo; eu não recordo mais quem ela representava. Eu pois tendo visto este sacrilégio; que numa igreja de Cristo, contra a autoridade das Escrituras, a imagem de um homem estava suspensa, lacerei aquele véu’ (Jerome, Lettres, Paris 1951, pag. 171). E ele era também contra o culto a Maria, com efeito ao confutar a seita das Coliridianas que tinha começado a oferecer um culto a Maria, ele escreveu: ‘Não se deve honrar os Santos além do seu mérito, que Deus é Aquele a quem devemos servir. A Virgem não foi proposta à nossa adoração, porque ela própria adorou Aquele que segundo a carne nasceu dela. Ninguém pois adore Maria. Só a Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, pertence este mistério, e não a qualquer homem ou mulher. Por conseguinte, cessem certas mulheres néscias de perturbar a Igreja, deixem de dizer: Nós honramos a Rainha do céu’, é por isso que com estes discursos e com o oferecer-lhe os seus bolos, cumprem o que foi dantes anunciado: ‘Alguns apostatarão da fé, dando-se a espíritos sedutores e às doutrinas dos demónios’. Não, este erro do povo antigo não prevalecerá sobre nós, para nos fazer afastar do Deus vivo e adorar as criaturas’ (Epiph. liv. III, Coment. II, tom. 2, Haeres 79: citado por Teofilo Gay in op. cit., pag. 136).
Ÿ João Crisóstomo (344-407) afirmou: ‘S. Paulo escreveu para tapar a boca aos heréticos que condenam o matrimónio, e para mostrar que o matrimónio não só é coisa inocente, mas também que é tão honrável que com ele se pode passar a ser bispo’ (Crisóstomo, Hom. II, in Ep. Tit. cap. II; citado por Teofilo Gay in op. cit., pag. 52); portanto Crisóstomo era contrário ao proibir o matrimónio aos bispos. Crisóstomo era também contrário à confissão auricular, com efeito, na nona Homilia da penitência, comentando as palavras de Davi: “Contra ti, contra ti somente pequei” (Sal. 51:4), disse: ‘Só a Deus pois manifesta o teu pecado e ele te será perdoado’ e na ‘Homilia 20 sobre o Gênesis escreveu: ‘Se Lameque não desdenhou de confessar os seus pecados às suas mulheres, como seremos nós dignos de perdão, se não queremos confessá-los Àquele que conhece os nossos delitos mais ocultos?’. E ainda Crisóstomo era contra a transubstanciação, com efeito, escreveu: ‘Antes da consagração o chamamos pão, mas depois… perde o nome de pão e torna-se digno que o se chame o Corpo do Senhor, embora a natureza do pão continue tal nele’ (Crisóstomo, Epístola a Cesário: citado por Roberto Nisbet in op. cit., pag. 79). Por fim Crisóstomo era contra o primado de jurisdição de Pedro: ‘Teve por isso Pedro um primado? Sim! Porque foi o primeiro a confessar o Cristo, tornou-se também o primeiro apóstolo no início da Igreja’ (Crisóstomo, Or. 8,3 Adv. Jud.; citado por Fausto Salvoni in op. cit., pag. 95).
Ÿ Agostinho (354-430) não considerava de modo nenhum como coisa certa que Pedro fosse a pedra sobre a qual foi edificada a Igreja de Cristo como antes afirma a igreja papista. Ele teve com efeito a dizer: ‘Num certo lugar do livro, falando do Apóstolo Pedro, disse que a Igreja está fundada nele como sobre a pedra, como é cantado também por muitos, nos versos do beatíssimo Ambrósio, onde diz do galo: Com o canto deste a própria pedra da Igreja chorou a sua culpa. Mas a seguir porém expus muitíssimas vezes as palavras ditas pelo Senhor: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; como se por, sobre esta pedra, se devesse entender o que Pedro afirmou quando exclamou: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo; e que Pedro recebeu nome desta pedra, porque representa a pessoa da Igreja edificada sobre esta pedra, e recebeu as chaves do reino dos céus. Não lhe foi dito de facto: Tu és pedra, mas Tu és Pedro; pedra era o Cristo, e Simão que o tinha reconhecido como o reconhece toda a Igreja, foi por isso chamado de Pedro. O leitor escolha qual é a mais provável das duas sentenças’ (Agostino, I due libri delle ritrattazioni [ Os dois livros das retratações] , Firenze 1949, Livro primeiro, cap. XXI, pag. 117-118). Como se pode bem ver Agostinho primeiro tinha afirmado que a pedra era o apóstolo Pedro e depois tinha mudado de opinião dizendo que a pedra era a confissão feita por Pedro, e deixa ao leitor a escolha entre as duas interpretações por ele sugeridas. Agostinho era contra a transubstanciação: parafraseando as palavras de Jesus afirmou: ‘Compreendei em sentido espiritual o que vos disse: Não comereis este corpo que vedes, e não bebereis este sangue que será derramado por aqueles que me crucificarão. Vos recomendei um sacramento que vos dará a vida, se o entenderdes espiritualmente, e ainda que seja necessário celebrá-lo de modo visível, importa todavia entendê-lo espiritualmente’ (Agostinho, Enarrationes in Psalmos 98, 9: citado por Roberto Nisbet in op. cit., pag. 79). Agostinho era também contra o permitir um novo matrimónio ao marido ou à mulher enquanto ambos ainda eram vivos porque para ele o vínculo matrimonial só se quebrava com a morte de um dos dois. Ele escreveu: ‘… à mulher não é permitido casar com um outro homem enquanto for vivo o marido do qual se separou,…’ (Agostino, Il sermone del Monte [ O sermão do Monte] , Firenze 1928, cap. XIV; pag. 48), e ainda: ‘…o homem está ligado enquanto a mulher está na vida corporal (…) se uma mulher se separa de um adúltero, não se una a um outro: na verdade continua ligada ao marido, enquanto ele vive, e não se liberta da lei do marido senão quando ele morrer; então não se tornará adúltera, se se liga com um outro’ (Agostinho, Os Conúbios adulterinos , 2, 5). Pelo que ele, também no caso de um dos dois cônjuges se tornar um cristão e o infiel deixasse o fiel por causa da sua fé, não permitia que o cristão passasse a novas núpcias. ‘..o recasar depois de ter deixado o seu cônjuge, não é lícito, nem ao homem nem à mulher, nem sequer por qualquer forma de fornicação, seja da carne, seja do espírito, e nesta última importa entender também a falta de fé. Com efeito, o Senhor sem fazer nenhuma excepção diz: Se a mulher deixa o seu marido e toma um outro, é adúltera, e: Todo o homem que repudia a sua mulher e toma uma outra, é adúltero’ (Agostinho, Os Conúbios adulterinos, 1, 31). A igreja católica romana o contradiz abertamente porque, como vimos, o seu chefe considera podê-lo dissolver e dar a autorização para um novo matrimónio em diversos casos, entre os quais está também o do privilégio da fé (chamado erradamente privilégio paulino) [8].
Ÿ Gelásio I (foi papa de 492 a 496), que é contado também entre os papas, afirmou contra os Maniqueus que é errado comungar-se sob uma única espécie: ‘Descobrimos que alguns tomam somente o sagrado corpo e se abstêm do sangue sagrado, é necessário que estes ou recebam ambas as partes ou sejam privados de ambas, pois a divisão de um só e mesmo sacramento não pode fazer-se sem um grande sacrilégio’ (citado por Teofilo Gay in op. cit., pag. 39). Portanto a doutrina que priva os leigos do cálice, doutrina que foi promulgada pelo concílio de Constança em 1415, era considerada por Gelásio um sacrilégio. Ainda Gelásio não aceitava a transubstanciação, com efeito, escreveu: ‘O sacramento do corpo e do sangue de Cristo é verdadeiramente coisa divina; mas o pão e o vinho permanecem na sua substância e natureza de pão e vinho’ (Gelásio, Das duas naturezas).
Ÿ Gregório de Nissa (335 ca. – 394 ca.) denunciou com força, numa das suas epístolas, a vaidade e loucura das peregrinações aos lugares santos (Gregório de Nissa, Epist. II, De euntibus Hieros, Opera, III, 1010, ed. Migne).
Ÿ Jerónimo (347 ca. – 419-20 ca.) não considerava a peregrinação a Jerusalém um acto meritório: numa sua carta a Paulino afirma com efeito: ‘Não é um título de honra o facto de ter estado em Jerusalém (…) Os crentes são apreciados, pessoalmente, não com base no diferente lugar em que residem, mas com base no mérito da sua fé. Os verdadeiros adoradores não adoram o Pai nem em Jerusalém nem no monte Garizim, porque Deus é Espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e verdade’ (Girolamo, Le lettere [ As cartas] , Roma 1962, vol. 2, Carta a Paulino, pag. 94,95).
Ÿ Arnóbio (que viveu no século IV) era contra o oferecer incenso: ‘Resta dizer algo, sem alongar demasiado, do incenso e do vinho que são ungidos e fazem parte das cerimónias e são muito usados para o culto. Antes de mais, precisamente a respeito do incenso, vos perguntamos onde e em que tempo pudestes conhecê-lo para considerar com razão que se deve oferecê-lo aos deuses e que é muito agradável aos seus gostos’ (Arnobio, I sette libri contro i pagani [Os sete livros contra os pagãos] , Torino 1962, Livro VII, 26, pag. 227).
Ÿ Leão I (foi papa de 440 a 461) era contra a imaculada conceição de Maria: ‘Só Cristo entre os homens foi inocente, porque só Ele foi concebido sem a imundícia e a cobiça carnal’ (Citado por Teofilo Gay in op. cit., pag. 130).
Ÿ Gregório Magno (foi papa desde 590 a 604) não aceitava como canónico o livro dos Macabeus, com efeito, citando uma passagem dos Macabeus, adverte que ele cita ‘um livro não canónico, mas escrito somente para a edificação dos fiéis’. Ele era também contra a assunção do título de bispo universal por parte de um qualquer bispo, com efeito, afirmou: ‘Aquele que quer fazer-se chamar pontífice universal torna-se pelo seu orgulho o precursor do anticristo; nenhum cristão deve tomar este nome de blasfémia…’ (Greg. Ep. Liv. VI, 80: citado por Puaux em Anatomia del papismo, Firenze 1872, pag. 65); e escrevendo a João, patriarca de Constantinopola, que se tinha proclamado bispo universal, lhe disse: ‘..que dirás tu João a Cristo que é cabeça da Igreja universal no prestar de contas no dia do juízo final? Tu que te esforças de te antepor a todos os teus irmãos bispos da Igreja universal e que com um título soberbo queres pôr debaixo dos teus pés o seu nome em comparação do teu? Que vais tu fazendo com isso, senão repetir com Satanás: Subirei ao céu e exaltarei o meu trono acima dos astros do céu de Deus? Vossa fraternidade quando despreza (os outros bispos) e faz todos os esforços possíveis para os subjugar, não faz senão repetir quanto já disse o velho inimigo: Me exaltarei acima das nuvens mais excelsas (…) Possa pois tua Santidade reconhecer quanto é grande o teu orgulho pretendendo um título que nenhum outro homem verdadeiramente pio jamais se arrogou’ (Gregório, Epistolarum V, Ep. 18, PL 77, pag. 739-740; citado por Fausto Salvoni in op. cit., pag. 330).
Ÿ Teodoreto, bispo de Ciro (393-458), era contra a transubstanciação, com efeito, afirmou: ‘Os símbolos místicos (o pão e o vinho) não abandonam a sua natureza depois da consagração, mas conservam a substância e a forma em tudo como antes’ (Teodoreto, Dialogus, Liber II; citado por Roberto Nisbet in op. cit., pag. 79).
Ÿ Vigílio (foi papa de 537 a 555), era contra a transubstanciação, com efeito, afirmou: ‘Quando a carne de Jesus Cristo estava na terra, ela certamente não estava no Céu; e agora que ela está no Céu, não está seguramente na terra’ (Vigílio, Cont. Eutich. Liv. IV: citado por Luigi Desanctis em La tradizione, pag. 55).
Eis pois as provas que estes chamados pais supracitados eram contrários a algumas das doutrinas que a igreja católica romana ensina hoje. Alguém perguntará então: Mas então qual é o critério que usa a igreja católica romana no aceitar algumas tradições e no rejeitar outras dos seus chamados pais? Como faz pois para definir tradições apostólicas coisas a que eram contrários até seus chamados pais? Por que é que nestes casos não considera autorizados estes seus pais como faz em outros casos? As respostas se podem resumir nesta frase: quando os chamados pais afirmam coisas agradáveis à igreja romana então são dignos de confiança mas quando se afastam da sua linha e vão abertamente contra ela então não devem ser ouvidos mas rejeitados. Nestes casos é preciso dizer que a igreja romana por vezes procura esconder estas contradições dos seus pais, e outras vezes dá-lhes explicações estranhas, aduzindo outras passagens suas em que parece que disseram uma outra coisa. Isto se pode bem constatar lendo os seus livros de controvérsia. É por isso que quando se tem que confutar as heresias da igreja católica romana não é de modo nenhum aconselhável citar contra eles os seus próprios pais porque eles por sua vez tomam – em alguns casos – outras passagens suas em que fazem ver que eles não queriam dizer o que disseram. E importa dizer que por vezes tem-se realmente que reconhecer que estes seus pais eram ambíguos no falar. A Escritura, só a Escritura se tome para destruir os seus vãos raciocínios; porque ela não é ambígua, não se contradiz sobre nenhum ponto, e não pode ser por eles tomada para sustento das suas heresias.
Para concluir esta parte dizemos isto: uma das fontes de que a igreja romana tirou a sua tradição, vale dizer os seus chamados pais, não pode por ela ser toda citada para sustento de todas as suas doutrinas porque alguns deles eram nitidamente contrários a algumas delas. Por isso quando se ouve dizer à igreja romana que a sua tradição se funda sobre os pais não se pense de modo nenhum que todos aqueles escritores estavam de acordo com tudo o que ela hoje diz a respeito de Maria, da eucaristia, do batismo, do purgatório, do primado de Pedro, do primado do bispo de Roma, da confissão, das orações pelos mortos, do culto das imagens e de muitas outras coisas, porque com efeito sobre diversas destas doutrinas alguns deles falaram rectamente confutando-as e não são de modo nenhum repreensíveis mas antes imitáveis.
 
Casos em que os chamados pais ensinaram doutrinas falsas não aceites pela igreja católica romana hoje
 
Acenámos várias vezes ao facto de os chamados pais da igreja terem ensinado também doutrinas falsas. Estes exemplos o confirmam:
Ÿ Ireneu ensinava que os santos não vão logo para o céu imediatamente após a morte porque só entrarão nele depois da ressurreição: ‘Porque o Senhor ‘foi à sombra da morte’, onde estavam as almas dos mortos, depois ressuscitou corporalmente e depois da ressurreição foi elevado ao céu, é claro que também as almas dos seus discípulos, pelos quais o Senhor fez estas coisas, irão para a região invísivel, lhes atribuída por Deus, e ali estarão até à ressurreição, esperando a ressurreição; depois retomarão os seus corpos e ressuscitarão integralmente, isto é corporalmente, como ressuscitou o Senhor, e assim irão à presença de Deus. (…) Como pois o nosso Mestre para lá não foi logo que se ausentou do corpo, mas foi elevado ao céu depois de ter esperado o tempo da sua ressurreição estabelecido pelo Pai, o tempo indicado anteriormente por meio de Jonas, e ser ressuscitado depois de três dias, assim também nós devemos esperar o tempo da nossa ressurreição estabelecido por Deus e dantes anunciado pelos Profetas para depois ressuscitar e ser elevados ao céu, os que o Senhor julgar dignos disso’ (Ireneu, Contra as heresias, Livro V, 31,2). A igreja católica não aceita esta doutrina de Ireneu, porque para ela para o céu vão logo (isto é sem passar pelo purgatório) aqueles que estão puros de toda a culpa, que não têm nenhuma pena temporal a pagar no purgatório; e depois de um certo tempo as almas que foram purificar-se no purgatório, e por isso ambas as categorias de almas, para ela, vão para o céu antes da ressurreição corporal..
Ÿ João Damasceno (VII – VIII sec.) contava os chamados Cânones apostólicos (uma colecção de 85 cânones, a maior parte deles disciplinares e tomados de concílios locais Orientais do quarto século) entre os livros inspirados do Novo Testamento (cfr. John of Damascus, Writings – Orthodox Faith, Liv. IV, cap. 17, New York 1958, pag. 376).
Ÿ Orígenes afirmou a preexistência das almas, isto é, que a alma do homem não foi criada juntamente com o corpo mas antes do corpo e depois foi inserida no corpo pelo exterior. Ele portanto sustentava que os homens na terra eram premiados ou punidos por Deus com base nos seus méritos ou deméritos da sua vida anterior. Nos Princípios afirmou a respeito de Jacó e Esaú: ‘Então, depois de ter examinado mais a fundo as escrituras a respeito de Jacó e Esaù, achamos que não depende da injustiça de Deus que antes de ter nascido e de ter feito algum bem ou mal – isto é nesta vida -, tenha sido dito que o maior serviria o menor; e achamos que não é injusto que no ventre da mãe Jacó tenha suplantado seu irmão (…), se crermos que pelos méritos da vida anterior com razão ele tenha sido amado por Deus por merecer ser preferido ao irmão..’ (Origene, I Principi, Torino 1968, Livro II, 9, 7). Orígenes ensinava também que todos os pecadores, o diabo e os demónios um dia serão salvos, com efeito, falando do facto de que um dia todos os inimigos de Cristo serão postos debaixo dos seus pés disse: ‘De que modo os inimigos do salvador são postos pelo pai como escabelo dos seus pés, convém entendê-lo dignamente, segundo a bondade de Deus (…) Com efeito, não devemos crer que Deus ponha os inimigos de Cristo como escabelo dos seus pés do mesmo modo em que os inimigos são postos debaixo dos pés dos reis terrenos que os exterminam (…) Pelo contrário, Deus põe os inimigos de Cristo como escabelo dos seus pés não para a destruição deles mas para a salvação deles (…) Vede por isso que para todos estes sujeição significa salvação dos submetidos’ (Ser. Mat., 8; in op. cit., pag. 201). Esta doutrina é denominada apocatástase [9]. E ainda Orígenes sustentava que as penas para os malvados não são eternas. Para ele no fim também os pecadores, após um período de purificação, serão salvos.
Ÿ Gregório de Nissa ensinava a apocatástase como Orígenes; eis quanto ele disse comentando as palavras de Paulo: “Para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra” (Fil. 2:10): ‘A meu parecer o Apóstolo divino, tendo presente na sua profunda sabedoria estas três condições que se notam nas almas, quis aludir ao acordo no bem que um dia se estabelecerá entre todas as naturezas racionais (…) Com estas suas palavras ele alude ao facto que, uma vez destruído o mal depois de um longuíssimo período de tempo, não ficará mais do que o bem. Também estas naturezas, de facto, reconhecerão concordemente o senhorio de Cristo’ (Gregorio di Nissa, L’anima e la risurrezione [ A alma e a ressurreição] , Roma 1981, pag. 77), e num outro lugar diz: ‘O propósito de Deus é um só: tornar possível a todos a participação nos bens que se encontram nele logo o número natural de nós homens alcançará a sua plenitude – falo seja dos homens que se purificaram do vício já nesta vida, como daqueles que, depois desta vida, foram curados pelo fogo por um período de tempo conveniente, como daqueles que nesta vida não conheceram nem o bem nem o mal’ (Gregorio di Nissa, op. cit., pag. 132).
Ÿ Hilário de Poitiers (nascido entre 310 e 320 e morto em 367) afirmou que Jesus Cristo na cruz não sentiu dor: ‘Sobre esta sua humanidade, embora caíssem os golpes ou chegassem as feridas ou se envolvessem os nódulos ou o corpo fosse pendurado, todas estas coisas mostravam a violência da paixão, todavia não produziam a dor da paixão (..) o corpo de Cristo, por sua virtude, sofreu a violência dos maus tratos que lhe eram infligidos sem sentir a dor’ (Ilario, La Trinità [ A Trindade] , Torino 1971, Liv. 10,23, pag. 539,540).
Ÿ Arnóbio ensinava que Deus não era o criador das almas: ‘E depois? Só nós ignoramos, só nós não conhecemos quem criou as almas, quem as formou…? (Arnobio, op. cit., Livro II, 58; pag. 79)’ e dizia que as almas dos pecadores eram mortais: ‘E na verdade são precipitadas em baixo e, reduzidas a nada, desaparecem pela acção inutilizante de uma destruição irremediável. São, com efeito, de média qualidade como se sabe pelo ensinamento de Cristo, de tal forma que podem morrer se não conhecem a Deus (..) a alma, ignorando Deus, será consumida mediante tormentos de longuíssima duração pelo fogo tremendo… Não há motivo, portanto, que nos engane, não há motivo que nos faça conceber esperanças infundadas aquele que se diz por alguns pensadores recentes e fanáticos pela excessiva estima de si mesmos que, as almas são imortais…’ (ibid., Liv. II, 14-15; pag. 51).
Ÿ Justino Mártir ensinava que as almas dos crentes na morte não vão logo para o céu: ‘Se vós vos deparais com supostos Cristãos que não façam esta confissão, mas ousem também vituperar o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, e neguem a ressurreição dos mortos, sustentando antes, que no acto de morrer, as suas almas são elevadas ao céu, não os considereis Cristãos’ (Diálogo com Trifão, LXXX) [10]. Justino Mártir ensinava também que as penas para os condenados não serão eternas, porque depois de um certo período de tempo serão aniquilados.
Ÿ Taciano (II sec.) ensinou um geral dissolvimento de todo o homem entre a morte e a ressurreição;
Ÿ Clemente de Alexandria (II-III sec.) disse que a filosofia conduzia ao conhecimento de Deus, com efeito, depois de ter citado algumas declarações de alguns filósofos disse: ‘Bastam também estas afirmações escritas por pagãos por inspiração de Deus e por nós escolhidas, para conduzir ao conhecimento de Deus quem é capaz mesmo em pequena medida de descobrir a verdade’ (Clemente Alessandrino, Il protrettico [ O protréptico] , Torino 1971, Cap VI, 72,5; pag. 142). Ainda ele afirmou que Jesus não teve nem fome nem sede porque se ele comeu e bebeu o fez apenas para demonstrar a sua natureza humana e não por necessidade, eis o que diz de facto no seu livro Stromata: ‘O ‘gnóstico’ é tal que sujeita-se só às paixões que são em função do mantimento do corpo, como fome, sede e semelhantes. Quanto ao Salvador, pelo contrário, seria ridículo pensar que o corpo, enquanto corpo, exigisse os necessários serviços para o mantimento; não é que Ele comesse por causa do corpo, que era mantido vivo por um santo poder, mas para que em quem o frequentava não se insinuassem falsos pensamentos acerca dele, como com efeito alguns depois creram que Ele se tivesse manifestado apenas em aparência. Na realidade Ele era absolutamente imune a paixões; nenhum movimento de paixão penetrava a sua pessoa, nem prazer nem dor’ (Clemente Alessandrino, Stromata, Torino 1985, Livro VI, cap. 9; pag. 706). Clemente dizia também que os apóstolos na sua morte evangelizaram as almas no Hades: ‘..os apóstolos, seguindo o Senhor, evangelizaram também aqueles que se encontravam no Hades; evidentemente era necessário que os melhores discípulos se tornassem imitadores do Mestre também lá..’ (Clemente Alessandrino, op. cit., Livro VI, 45,5: pag. 688-689). Uma outra estranha doutrina de Clemente era a de sustentar que o pecado que cometeram os nossos progenitores no jardim do Éden, foi de natureza sexual.
Ÿ Tertuliano ensinava o traducianismo materialista, ou seja, a teoria segundo a qual as almas são transfundidas aos filhos pelos genitores mediante a semente material. Eis a sua declaração: ‘De que modo pois foi concebido o ser vivo? Tendo-se formado simultaneamente a substância tanto do corpo como da alma ou formando-se primeiro uma destas duas? Nós afirmamos que ambas estas substâncias são concebidas, feitas e acabadas no mesmo momento, como no mesmo momento são também feitas nascer, e dizemos também que não há algum momento no acto da concepção em que venha estabelecida uma ordem de precedência (…) A alma inseminada no útero junto com a carne recebe junto com ela também o sexo..’ (Tertulliano, L’anima [ A alma] , Venezia 1988, 27,1; 36,2; pag. 125,157). A igreja católica romana rejeita esta doutrina, com efeito, afirma: ‘..um católico não pode sustentar nenhuma espécie de traducianismo: o materialista porque é herético (ele nega de facto a espiritualidade da alma)…’ (Enciclopédia Católica, vol. 12, 415). Ainda Tertuliano ensinava que só as almas dos fiéis mortos mártires iam logo para o céu, as almas dos outros, ao contrário, desciam aos infernos mais precisamente ao seio de Abraão. Eis o que ele disse: ‘Enquanto a terra estiver intacta, para não dizer fechada, ela não abre a ninguém o céu. O reino dos céus de facto será aberto com o fim do mundo (…) Quantos experimentam esta nova morte em nome de Deus, violenta exactamente como a de Cristo, são recebidos num lugar diferente e particular (…) A única chave do paraíso é o teu sangue. Há também um livro meu sobre o paraíso, em que mostrei que todas as outras almas ficam nos infernos até ao dia da segunda vinda do Senhor’ (Tertulliano, op. cit., 55:3,5; pag. 207). Tertuliano afirmava que para os crentes o homicídio, a idolatria, a fraude, o adultério e a fornicação e qualquer outra profanação do templo de Deus são pecados imperdoáveis (cfr. Tertullien, La Pudicité, Paris 1993, XIX 25,26; pag. 261). Tertuliano afirmava que todos aqueles que não se tinham ainda casado deviam adiar o batismo: ‘Por motivos não menos sérios deveriam adiar o seu batismo todos aqueles que ainda não se casaram; muitos perigos e muitas provas estão diante deles, trata-se de gente ainda virgem que está crescendo nos anos ou de gente viúva que não sabe ainda que peixes apanhar..; estes deveriam adiar o batismo enquanto não se decidirem ou a casar ou a se empenharem com coragem na castidade’ (Tertulliano, Il battesimo [ O batismo] , Roma 1979, pag. 163).
Ÿ Agostinho afirmou que as crianças que não comungavam sob as duas espécies não podiam ser salvas; ‘Ninguém sem o Batismo e o sangue do Senhor pode esperar a salvação e a vida eterna; em vão, sem estes sacramentos, a vida eterna é prometida às crianças’ (Agostinho, De pec. mer. et remiss. 1,24,34: citado por Bernardo Bartmann, Teologia Dogmatica, vol. III. pag. 193. Recordo que esta doutrina foi condenada pelo concílio de Trento). Agostinho sustentava o traducianismo espiritualista, que se diferenciava do materialista de Tertuliano visto que segundo ele a alma do filho derivava da alma do pai. Eis como se exprimiu: ‘Como um facho acende um outro sem que a chama comunicante nada perca da sua luz, assim a alma se transmite do pai para o filho’ (Agostinho, Ep., 190, 15: citado na Enciclopédia Católica, vol. 12, 415). Também este tipo de traducianismo é rejeitado pela igreja católica romana: ‘..um católico não pode sustentar nenhuma espécie de traducianismo… o espiritualista (seja que faça derivar a alma do filho de uma semente espiritual, seja que atribua à acção dos genitores uma actividade criadora) porque é erróneo’ (Enciclopédia Católica, vol. 12, 415). Agostinho ensinava que as relações carnais no âmbito matrimonial só eram legítimas se tinham o fim de procriar doutra forma constituíam pecados. Ele, com efeito, teve a dizer: ‘Quanto ao facto de os cônjuges cederem à concupiscência usando a sua relação matrimonial além daquilo que é necessário para a procriação dos filhos, também isso o ponho entre as coisas pelas quais todos os dias nós oramos: Perdoa as nossas ofensas como nós perdoamos a quem nos tem ofendido’ (Agostino, Discorsi [ Discursos] , Roma 1989, Discorso 354/A), e também: ‘…pagar a dívida conjugal não é de modo nenhum uma culpa, exigi-la além da necessidade de procriar é um pecado venial’ (Agostino, La Dignità del matrimonio [ A Dignidade do matrimónio] , Roma 1982: pag. 100) [11]. A igreja papista actualmente contradiz o seu pai Agostinho porque não considera pecado as relações carnais que não têm como fim a procriação (enquanto Agostinho como vimos as considerava pecados) e é a favor do controle dos nascimentos (a que Agostinho se opunha porque era pela procriação a todos os custos). Porém de um controle dos nascimentos que não se baseia em meios como o aborto, a interrupção do acto, esterilização e contraceptivos químicos e mecânicos (estes meios são declarados por ela ilícitos), mas em outros meios como a abstenção do acto conjugal para sempre (continência absoluta) ou por um tempo determinado (continência temporária) ou somente periodicamente nas presumíveis épocas de fecundidade. Estes meios, quando são acompanhados por ‘motivos morais suficientes e seguros, fazem lícita uma regulação da prole’ (Pio XII, Discurso às parteiras de 29 de outubro de 1951, em Civ. Catt. 1951, IV, p. 53; citado na Enciclopédia Católica na palavra ‘nascimentos controle’ (vol. VIII, 1663). cfr. Jean-Marie Aubert, Compendio della morale cattolica, Cinisello Balsamo (MI) 1989, pag. 354-355).
Ÿ Atenágoras definiu adultério as segundas núpcias: ‘A norma da nossa vida não consiste no exercício das palavras mas em demonstrar e ensinar com as obras: se permaneça como se nasceu ou não se contraia mais do que um matrimónio. As segundas núpcias não são mais do que um decoroso adultério (…) E quem se separa da primeira mulher, mesmo se esta já morreu, é um adúltero dissimulado e age contra a mão de Deus porque Deus ao princípio formou um só homem e uma só mulher, transgride de tal modo a comunhão de carne com carne, segundo a unidade que se realiza na união das pessoas’ (Atenagora, Le opere [ As obras] , Siena 1974, XXXIII, pag. 64) [12].
Ÿ Lactâncio negou a divindade de Cristo. No seu livro Instituições divinas fez as seguintes afirmações: ‘Deus, que é o Modelador e o Fundador das coisas, como dissemos no segundo livro, antes de empreender esta obra do mundo, gerou o santo e incorruptível espírito que Ele chamou Seu Filho. E embora Ele depois tenha criado inumeráveis outros seres, que nós chamamos anjos, só este é o Seu Primogénito Filho, digno do apelativo do Divino Nome, isto é, Ele possui o poder e a majestade do Pai’ (Lactantius, The Divine Institutes, Washington 1964, Livro 4, cap. 6: pag. 255); ‘Em primeiro lugar nós testificamos que Ele nasceu duas vezes; primeiro, no espírito, mais tarde, na carne’ (Lactantius, op. cit.,Livro 4, cap. 8: pag. 258-259); ‘Porque no primeiro nascimento espiritual Ele foi sem uma mãe dado que foi gerado por Deus o Pai somente, sem a função de uma mãe. No segundo, o segundo a carne, Ele foi sem um pai, dado que foi formado num ventre virgem sem a função de um pai…’ (ibid., Livro 4, cap. 13: pag. 273). Lactâncio ensinava também que depois da morte todas as almas ‘são retidas numa custódia comum, até chegar o tempo em que o Grande Juiz fará o exame dos méritos’ (ibid., Livro 7, cap. 21: pag. 526).
Ÿ Jerónimo para desencorajar uma viúva de nome Furia de voltar a casar lhe escreveu: ‘Quantos espinhos traz consigo o matrimónio, o constataste às tuas custas durante a vida matrimonial. Te saciaste deles até à náusea, como os Hebreus da carne de codorniz. O teu paladar provou a amargura infinita do fel, vomitaste alimentos ácidos e malsãos, mitigaste o ardor do estômago; por que queres outra vez ingerir coisas que te prejudicaram? Como um cão que volta aos alimentos vomitados, ou um porco ao lamaçal onde se revolveu? Até os animais que não têm razão, incluindo as aves migratórias, não vão recair nas mesmas armadilhas e redes! (…) O homem que uma mãe leva em casa aos filhos não é um padrinho mas um inimigo; é tudo menos um pai; é um tirano (….) Confessa abertamente os teus desejos pouco limpos! Nenhuma mulher, justamente, se casa para depois não dormir com o marido’ (Girolamo, Le lettere [ As cartas] , Roma 1962, vol. 2, pag. 37,50). Eis com que termos depreciativos se exprimia Jerónimo acerca do matrimónio que uma viúva queria contrair. Ainda Jerónimo no comentário aos Gálatas disse que Paulo quando reprovou Pedro dizendo-lhe: “Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e não como o judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus?” (Gal. 2:14) usou uma mentira estratégica. Para confirmar isto citamos uma afirmação do próprio Jerónimo tomada de uma sua carta escrita a Agostinho: ‘Em segundo lugar me perguntas por que nos Comentários sobre a carta aos Gálatas disse que Paulo não pôde repreender Pedro por um facto praticado também por ele mesmo, isto é, repreender um outro por dissimulação, de que ele mesmo era culpado. Tu, pelo contrário, susténs que a repreensão do Apóstolo não foi fingida, mas autêntica e que por isso eu não deverei ensinar que ali se trata de mentira, mas que tudo o que está escrito na Bíblia deve ser entendido como está escrito’ (Le Opere di sant’Agostino. Le Lettere, 1969, 75, 3,4, pag. 601). Mas Jerónimo, para defender a conduta de Pedro em Antioquia, se incita a acusar Paulo de ter dissimulado também ele, em outras palavras de ter agido em algumas circunstâncias também ele como Pedro, e por isso ele não devia reprovar Pedro como fez, com efeito, depois de ter citado as passagens da Escritura onde Lucas conta que Paulo voltando a Jerusalém, após conselho dos irmãos, tomou quatro irmãos que tinham feito um voto e, depois de se ter purificado, entrou no templo anunciando querer cumprir os dias da purificação, até à apresentação da oferta por cada um deles, Jerónimo afirma: ‘Oh, Paulo! Também a propósito deste facto te pergunto: ‘Por que é que rapaste a cabeça? Por que é que fizeste a procissão descalço segundo o rito judaico? Por que é que ofereceste sacrifícios e por ti foram imoladas vítimas prescritas pela Lei mosaica?’ Certamente responderás: ‘Para que não se escandalizassem os Judeus convertidos’. Te fingiste pois Judeu para salvar os Judeus. E esta dissimulação te foi ensinada por Tiago e pelos outros seniores: mas não conseguiste evitá-la (…) Vimos que Pedro e Paulo fingiram tanto um como outro observar os preceitos da Lei por medo dos Judeus. Com que cara, então, com que moral pôde Paulo condenar o outro por uma falta cometida também por ele mesmo?’ (op. cit., 75, 3,10-11; pag. 613) [13]. Em outras palavras, para Jerónimo, Pedro em Antioquia apenas fingiu observar a lei para não fazer afastar os Judeus da fé em Cristo (e portanto se comportou bem), e Paulo usou uma mentira estratégica para acalmar os ânimos porque também ele outras vezes fingia que observava a lei para não escandalizar os Judeus crentes.
Ora, estas estranhas doutrinas aqui supracitadas nem a igreja católica romana as aceita, mas fica o facto que elas eram proclamadas por aquelas mesmas pessoas que ela toma para sustentar a sua tradição. Portanto a tradição dos seus pais, segundo ela, se subdivide numa parte boa e numa má; numa parte verdadeira e numa outra mentirosa; a primeira é aceitável a segunda não. Portanto nem ela venera a sua tradição a par das Escrituras, porque não aceita tudo quanto o que os seus pais disseram. E isso naturalmente ela é obrigada a fazê-lo porque reconhece as contradições que daí derivariam se tivesse que aceitar tudo aquilo que eles disseram. Decidiu por isso aceitar só aqueles seus ensinamentos que agradam a ela e que lhe servem para confirmar as suas presentes tradições. O facto é porém que também aqueles ensinamentos dos chamados pais que ela tomou para sustentar a sua tradição são mentirosos e são de rejeitar, mas ela os professa e os venera porque são para ela uma fonte de ganho.
Pelo que nos respeita, as heresias dos chamados pais supracitadas mostram-nos como aqueles homens não se podem citar de modo nenhum como autoridades, como é feito pela igreja romana, e não são de modo algum dignos de confiança como, pelo contrário, são os profetas e os apóstolos. Certo, é verdade que nem tudo aquilo que eles disseram é falso mas permanece o facto de que ninguém de modo algum se deve apoiar neles para a compreensão das Escrituras se não quiser ser enganado pelos seus erros tão difundidos nos seus escritos. Recordai-vos que os Católicos romanos foram enganados não pelas Escrituras, porque elas não enganam ninguém, mas pelas interpretações arbitrárias dadas às Escrituras dos seus chamados pais. Por isso vos exorto a ser muito prudentes no caso de terdes que ler os escritos de Agostinho, de Jerónimo, de Tertuliano, de Clemente de Alexandria, de Orígenes e dos outros chamados pais da igreja.
 
Casos em que as doutrinas falsas dos chamados pais são aceites pela igreja católica romana hoje
 
Façamos agora alguns exemplos de falsas doutrinas ensinadas pelos chamados pais que a igreja romana aceita.
Ÿ Ireneu.
A superioridade da igreja de Roma. Ele disse: ‘Mas porque seria demasiado longo nesta obra enumerar as sucessões de todas as Igrejas, tomaremos a Igreja grandíssima e antiquíssima e a todos conhecida, a Igreja fundada e estabelecida em Roma pelos dois gloriosíssimos apóstolos Pedro e Paulo. Mostrando a tradição recebida dos Apóstolos e a fé anunciada aos homens que chegou até nós através das sucessões dos bispos confundamos todos aqueles que de alguma maneira, ou por enfatuação ou por vanglória ou por cegueira e por erro de pensamento, se reúnem além do que é justo. De facto com esta Igreja, em razão da sua origem mais excelente, deve necessariamente estar de acordo toda a Igreja, isto é, os fiéis que são de toda a parte – ela na qual por todos os homens sempre foi conservada a tradição que vem dos Apóstolos’ (Ireneu, Contra as heresias, Livro III, pag. 218).
Ÿ Tertuliano.
A tradição. Depois de ter dito que aos seus dias por costume se batizava por tríplice imersão, que depois do batismo os crentes comiam uma mistura de leite e mel e que a partir daquele dia não tomavam banho por toda a semana sucessiva, que as oblações pelos defuntos eram feitas no aniversário da sua morte e que jejuar ou adorar a Deus de joelhos ao domingo era considerado uma impiedade e que ‘todas as vezes que iniciamos ou terminamos alguma coisa, todas as vezes que entramos ou saímos de casa, quando nos vestimos, nos calçamos, vamos tomar banho, nos pomos à mesa, acendemos as luzernas, vamos para a cama, nos sentamos, qualquer que seja a ocupação para a qual nos preparamos, façamos frequentemente na nossa testa um pequeno sinal da cruz’, ele diz: ‘Para estas e outras semelhantes praxes da disciplina cristã, se tu pretendes normas bíblicas, não encontrarás nenhuma. Sobre a sua fonte te será antes mostrado a tradição que causou a origem delas, o costume que motivou a continuidade delas e a fidelidade que leva a observá-las’ (Tertulliano, La Corona [ De Corona] , Roma 1980, 3-4; pag. 153,155.) [14]. Estas palavras de Tertuliano (que como podeis ver contradizem as suas próprias palavras citadas antes) são tomadas pela cúria romana para sustento da tradição não escrita. Para eles naturalmente são uma confirmação que uma coisa para ser aceite pelos crentes não necessita estar forçosamente escrita na Bíblia. Para nós elas confirmam antes que já nos tempos de Tertuliano muitos crentes se tinham posto a fazer certas coisas por tradição sem se preocuparem com o facto de elas serem práticas não escriturais, e a elas naturalmente se acrescentaram muitas e muitas outras com os séculos que acabaram por anular o Evangelho. É necessário fazer notar porém a propósito destas chamadas tradições apostólicas referidas por Tertuliano nos seus escritos que a igreja católica romana muitas hoje não as aceita, o que significa desmentir um dos seus pais e cair na enésima contradição. De facto ela diz que a tradição apostólica é Palavra de Deus a se respeitar como a Escritura e ela rejeita algumas partes dela!
Ÿ Agostinho.
Perpétua virgindade de Maria. Ele disse: ‘Virgem concebeu, virgem deu à luz, virgem permaneceu’ (Agostinho, Serm. 51, 18; citado em La vergine Maria, de Michele Pellegrino, Alba 1954, pag. 21) e: ‘Quando portanto ouvirdes falar de irmãos do Senhor, pensai em consanguíneos de Maria , não imagineis uma prole vinda de um posterior parto dela. Como, de facto, no sepulcro onde foi posto o corpo do Senhor, não esteve nem antes nem depois algum morto, assim o seio de Maria nem antes nem depois concebeu algum ser mortal’ (Agostinho, Tract. in Io. 28, 3; citado in op. cit., pag. 71).
A missa como repetição do sacrifício de Cristo. Ele disse: ‘Cristo porventura não se imolou a si mesmo uma só vez? Contudo no mistério litúrgico se imola pelos fiéis não só em cada recorrência pascal, mas todos os dias. E não mente de certo quem, interrogado se Cristo verdadeiramente se imola, responde que sim’ (Agostinho, As Cartas, 98,9: pag. 927).
O jejum eucarístico. ‘Disso se pode compreender que foi ele (Paulo) a estabelecer o jejum eucarístico que não é modificado por alguma diversidade de costumes’ (ibid., 54, 6,8: pag. 447).
A tradição. ‘Quanto às prescrições não escritas mas que nós conservamos transmitidas por via da tradição e são observadas em todo o mundo, nos é fácil perceber que são mantidas enquanto estabelecidas e recomendadas pelos próprios Apóstolos ou pelos Concílios plenários, cuja autoridade é utilíssima para a salvação da Igreja; de tal género são as festas celebradas na recorrência aniversária da Paixão, Ressurreição e Ascensão do Senhor, a descida do Espírito Santo, e outras recorrências similares que se observam pela Igreja Católica por toda a parte onde ela está difundida’ (ibid., 54,1,1: pag. 437) [15].
Negação que a primeira ressurreição no apocalipse é a ressurreição dos justos e negação do reino milenário de Cristo sobre a terra na sua vinda. ‘Há duas ressurreições: a primeira, que acontece agora e é a ressurreição das almas, que não permite cair na segunda, que não acontece agora mas acontecerá no fim do mundo, e que não diz respeito às almas, mas aos corpos (…) O evangelista João falou destas duas ressurreições no livro do Apocalipse de modo que a primeira das duas, não compreendida por alguns dos nossos, foi trocada por uma ridícula fábula (…) Aqueles que na base das palavras deste livro hipotizaram que a primeira ressurreição será a ressurreição do corpo, foram sobretudo influenciados pelo número de mil anos (…) ele falou de mil anos para indicar precisamente todos os anos deste mundo, querendo evidenciar com um número perfeito a própria plenitude do tempo (…) por isso o número mil indica a totalidade, pois é o quadrado de dez que se converte num sólido’ (Agostinho, A cidade de Deus, Livro XX, cap. 6,2; 7,1,2). Em outras palavras, a primeira ressurreição de que fala João no Apocalipse é a ressurreição espiritual que segundo Agostinho se experimenta com o batismo; os mil anos são o período de tempo que decorre entre a primeira vinda de Cristo e a sua volta, e a segunda ressurreição é a ressurreição corporal.
Negação do facto que nem todos morrerão. ‘..consideramos que também quantos o Senhor encontrar vivos naquele breve espaço de tempo sofrerão a morte e adquirirão a imortalidade…’ (Agostinho, op. cit., Livro XX, cap. 20,2).
Negação da destruição deste céu e desta terra. ‘Uma vez feito este julgamento, então este céu e esta terra cessarão de existir e começarão a existir um céu novo e uma terra nova; de facto este mundo passará por uma transformação das coisas, não por um total aniquilamento’ (ibid., Livro XX, cap. 14); ‘Quanto depois às palavras: O mar já não existia (….) Então de facto não existirá este mundo agitado e borrascoso, que é a vida dos mortais, indicado com o nome de mar’ (ibid., Livro XX, cap. 16).
O batismo dos infantes. ‘A criança portanto é feita fiel não por um acto voluntário da fé semelhante aos dos fiéis adultos, mas pelo sacramento da própria fé. Porque, do mesmo modo que o padrinho responde que ele crê, assim também se chama fiel não por dar o consentimento pessoal da sua inteligência, mas por receber o sacramento da própria fé. Quando depois ele começar a perceber, não necessitará de um novo batismo, mas compreenderá o sacramento recebido e se conformará, com o consenso da vontade, à realidade espiritual por ele representada’ (Agostinho, As Cartas, 98, 10: pag. 927, 929).
O batismo cancela os pecados. ‘O sacramento do Batismo, instituído contra o pecado original, a fim de cancelar, pela regeneração espiritual, a mancha da geração carnal, cancela também os pecados actuais que encontra em nós e que poderemos cometer com pensamentos, com palavras e com obras’ (Agostino, Enchiridion, Firenze 1951, cap. LXIII, pag. 86).
O poder de perdoar os pecados do batismo de sangue em ausência do com água. ‘Mesmo se não se recebeu o lavacro de regeneração, a morte devida à profissão de fé em Cristo tem o mesmo poder de perdoar os pecados que a água do santo batismo’ (Agostinho, A cidade de Deus, Livro XIII, cap. 7).
O purgatório. ‘Se o menino recebeu os sacramentos do Mediador, isto é, se tiver sido transferido do poder das trevas para o reino de Cristo, mesmo se morrer nessa idade, não só evitará as penas eternas, mas não sofrerá sequer as penas do purgatório’ (Agostinho, op. cit., Livro XXI, cap. 16) [16]; ‘Segundo esta opinião, no intervalo de tempo que corre da morte deste corpo até chegar o dia em que acontecerá a ressurreição dos corpos – dia do extremo juízo no qual se pronunciará a sentença do prémio ou do castigo – as almas dos defuntos que, durante a sua vida terrena, não tenham tido costumes e afectos tais a merecer ser consumidos como madeira, feno e palha, não sofrerão o fogo que queimará aquelas almas que não viveram de tal modo. Estas serão afligidas pelo fogo de uma tribulação passageira que queimará as construções de madeira, feno e palha, não merecedoras de eterna condenação; e as queimará ou sobre esta terra, ou aqui em baixo e no além, ou só na outra vida. A esta opinião não me oponho porque possivelmente é uma opinião verdadeira’ (ibid., Livro XXI, cap. 26) [17].
As orações pelos mortos. ‘A própria oração da Igreja ou de algum homem piedoso a favor de alguns defuntos é ouvida, mas somente para os que, regenerados em Cristo, não conduziram no seu corpo uma vida tão má de forma a ser julgados indignos desta misericórdia, mas nem uma vida tão boa de forma a não ter necessidade dessa misericórdia’ (ibid.,, Livro XXI, cap. 24, 2).
O sufrágio em favor dos mortos. ‘Devemos admitir que as almas dos traspassados podem receber algum alívio pela piedade dos parentes, quando por elas oferecem o santo Sacrifício do Mediador, ou distribuem esmolas aos pobres. Mas estes sufrágios aproveitarão somente aos que, durante a sua vida, mereceram que estas boas obras possam lhes ser aplicadas. Há homens cuja vida não foi nem suficientemente boa para não ter necessidade de sufrágios, nem suficientemente má para não poder receber algum alívio. Há outros tão santos que não necessitam deles, ou tão maus que não podem tirar nenhum proveito deles’ (…) Para os que podem ser proveitosos, eles tiram esta vantagem deles: ou recebem plena e inteira remissão das suas culpas, ou certamente algum alívio no rigor das suas penas’ (Agostinho, Enchiridion, cap. CIX. Se note que destas últimas palavras transparece o purgatório).
Os santos mártires que estão no céu fazem milagres. ‘Aqueles mártires, pois, que agora podem alcançar tais graças do Senhor por cujo nome foram mortos, morreram pela fé na ressurreição; por ela sofreram com admirável paciência, e agora podem manifestar um semelhante poder em obter milagres (…) Cremos pois que eles dizem a verdade e que fazem muitos milagres, porque os mártires morreram proclamando a verdade e é por isso que podem fazer os milagres que nós vemos’ (Agostinho de Hipona, A Cidade de Deus, Livro XXII, cap. IX, X).
O reconhecimento da canonicidade dos livros apócrifos. No seu livro A Instrução Cristã Agostinho enumerando os livros canónicos do Antigo Pacto inclui lá também Tobias, Judite, os dois livros dos Macabeus e o Eclesiástico e a Sabedoria (cfr. Agostino, L’Istruzione cristiana [ A Instrução cristã] ,Verona 1994, Livro II, VIII 13; pag. 89, 91) [18]. Portanto quando se ouve dizer que Agostinho dizia submeter-se aos livros canónicos deve-se ter presente que entre eles para ele – à diferença de Jerónimo – estavam também os livros apócrifos.
A autoridade da igreja. ‘Não creria no Evangelho, se a isto não me levasse a autoridade da Igreja Católica’ (Agostinho, Contra Epist. Man.).
Ÿ João Damasceno.
A adoração das imagens. ‘Sucede certamente frequentemente que algumas vezes quando não temos a Paixão do Senhor na mente nós podemos ver a imagem da sua crucificação e, recordando-nos assim a sua Paixão redentora, nos prostramos e adoramos. Mas não é o material que nós adoramos, mas o que é representado (…) Esta é a tradição escrita, como é o adorar virado para oriente, adorar a cruz, e assim muitas outras coisas semelhantes’ (John of Damascus, op. cit., Liv. IV, cap. 16; pag. 372); ‘Esta madeira deveras preciosa e digna de veneração, por isso, sobre a qual Cristo se sacrificou por nós, deve justamente tornar-se objecto da nossa adoração, já que foi como que santificada pelo contacto com o santíssimo corpo e sangue do Senhor’ (João Damasceno, Exposição da fé ortodoxa, 4, 11: citado em La teologia dei padri [ A teologia dos pais] , Roma 1974, vol. II; pag. 144).
A assunção ao céu de Maria. ‘Os anjos junto com os arcanjos te transportaram (…) As potências celestes se te fazem ao encontro com sacros cânticos e um festivo ritual, dizendo: Quem é esta que avança como a aurora, bela como a lua, eleita como o sol? (…) O rei te fez entrar no seu aposento, onde as potestades velam por ti, os principados te bendizem, os tronos te fazem festa, os querubins ficam pasmados pela alegria e o espanto, os serafins cantam louvores por ti, que fostes realmente a mãe do Senhor (…) O teu corpo, imaculado e isento de qualquer contaminação, não foi deixado na terra, mas tu, ó rainha, senhora e patroa, verdadeira mãe de Deus, foste assunta à real morada celeste. O céu atraiu a si aquela cuja grandeza era superior à dos céus’ (João Damasceno, Homilia sobre o trânsito de Maria: citada em La teologia dei padri, vol. II, pag. 171-172).
Ÿ Jerónimo.
Perpétua virgindade de Maria. Na sua carta contra Elvídio ele sustenta que Maria depois de ter dado à luz Jesus permaneceu virgem e que aqueles que a Escritura chama irmãos e irmãs de Jesus não eram filhos dados à luz por Maria.
Celibato sacerdotal. Numa carta a Joviniano o qual criticava a vida monástica e o celibato sacerdotal, Jerónimo falou do matrimónio com desprezo. Ele citou, para defender o celibato sacerdotal, uma passagem de Teofrasto que dizia entre outras coisas: ‘O homem sábio nunca casará…É de insensatos casar para procriar filhos para que o nosso nome sobreviva no mundo, a nossa velhice tenha amparos…’. É necessário dizer que nos seus escritos frequentemente se verifica esta sua aversão ao matrimónio; não que o proíba (no seu escrito Virgindade e matrimónio afirmou que ele não condena as núpcias), mas certamente fala com desprezo dele mais de uma vez a fim de induzir os homens e as mulheres a não se casarem e a se darem à vida monástica à qual se tinha dado ele próprio. Por esta razão Jerónimo é contado entre aqueles que contribuíram com os seus escritos, exaltantes ao inverosímil do celibato, para proibir o matrimónio aos sacerdotes católicos. E de facto a igreja católica romana o toma para sustentar o seu celibato sacerdotal e a vida monástica.
Veneração das relíquias. Numa sua carta a Ripário lhe diz a propósito de um certo Vigilâncio que era contra a veneração das relíquias: ‘Me dizes que Vigilâncio (…) reabriu a sua boca nojenta, que está vomitando uma lixeira de podridão contra as relíquias dos santos mártires, e que nós – que admitimos o culto delas – nos chama cinerários e idólatras, porque – diz – veneramos os ossos de homens que morreram. Que homem desgraçado! Seria necessário dar desafogo a todas as fontes de lágrimas para chorá-lo! Mas é possível que não perceba que, dizendo estas coisas, é tal e qual um samaritano ou um judeu? São pessoas, estas, que consideram imundos os cadáveres humanos, e até suspeitam de contaminação os objectos que se encontram na sua casa. Mas sim! Vão atrás da letra que mata, e não do espírito que vivifica! (…) As relíquias dos mártires as honramos por adorar o Deus pelo qual eles se fizeram mártires! (…) Se as relíquias dos mártires não importa honrá-las, como é que lemos: É preciosa aos olhos do Senhor, a morte dos seus santos?’ (Jerónimo, As Cartas, vol. 3, pag. 328, 329, 330).
O bispo de Roma é o sucessor de Pedro. Numa carta a Dámaso, bispo de Roma, lhe diz: ‘Por isso decidi consultar a Cátedra de Pedro, onde se encontra a fé que a boca de um Apóstolo exaltou; venho agora pedir um alimento para a minha alma ali, onde um tempo recebeste o vestido de Cristo (…) A tua grandeza, para dizer a verdade, me põe em sujeição, mas a tua bondade me atrai (…) Põe de parte o que é invejável, subtrai-te um momento ao fasto da altíssima dignidade romana; é com o sucessor do pescador e com um discípulo da cruz que desejo falar. Eu não sigo outro primado senão o de Cristo; por isso me ponho em comunhão com a tua Bem-aventurança, isto é, com a cátedra de Pedro. Sei que sobre esta pedra está edificada a Igreja’ (Jerónimo, As cartas, vol. 1, pag. 97, 98).
Ÿ Cipriano.
O batismo regenera. ‘A água deve ser primeiro purificada e santificada pelo sacerdote, para que possa cancelar com o batismo os pecados de quem é batizado’ (Opere di San Cipriano [ Obras de São Cipriano] , Torino 1980, Carta 70; pag. 687).
Ÿ Crisóstomo.
As orações pelos mortos. ‘Choremos os nossos defuntos, que partiram nos pecados, ajudemo-los com todas as forças. Como e de que modo? Orando nós próprios por eles e rogando a outros para orar por eles, e doando incessantemente por eles aos pobres’ (Crisóstomo, In ep. ad Philip 3,4).
 
Os chamados pais uns contra os outros
 
Ora, da forma como falam os teólogos católicos romanos da sua tradição os seus pais são dignos de confiança e portanto são árbitros da fé dos homens. Muitos portanto, na sua ignorância, fazem a ideia que eles eram todos unânimes. Nós agora demonstraremos, pelo contrário, que os amados pais da igreja romana não andavam de acordo nem sequer entre eles sobre diversas coisas (algumas destas divergências que citaremos se deduzem das suas citações até aqui vistas) e escreveram uns contra os outros.
Policarpo (70 ca. – 155) afirmava que a Páscoa devia ser celebrada no décimo quarto dia do mês de Nisan não importa que dia da semana fosse, enquanto Aniceto (II sec.) bispo de Roma afirmava que a Páscoa devia ser celebrada no domingo mais próximo do catorze do mês de Nisan.
Cipriano afirmava que o batismo dos heréticos não era válido, com efeito, disse: ‘Decretámos que o batismo estabelecido na Igreja católica deve permanecer único. Por este motivo nós não rebatizamos, mas batizamos aqueles que provêm de uma água adúltera e profana, porque estes devem ser lavados e santificados pela água verdadeira que doa a salvação’ (Opere di San Cipriano, Lettera 73, pag. 697), mas Agostinho não estava de acordo com Cipriano sobre rebatizar os heréticos: ‘..rebatizar um herético que tenha recebido aquele carácter de santidade que foi transmitido pela doutrina cristã, é sem dúvida uma culpa…’ (Opere di Sant’Agostino. Le lettere 23,2: pag. 121), e afirma que Cipriano estava no erro, com efeito, disse: ‘Mas que Cipriano tivesse tido do batismo uma opinião contrária à norma e à prática da Igreja, se verifica não já nas Escrituras canónicas, mas nas obras escritas por ele e numa sua carta dirigida a um concílio’ (ibid., 93, 10;38: pag. 857), e ainda: ‘…entre o batismo de Cristo conferido pelo Apóstolo e o batismo de Cristo conferido por um herético não há diferença de tipo porque, por maior que possa ser a diferença daqueles que os administram, a essência dos Sacramentos é sempre a mesma’ (ibid., 93, 11;48: pag. 871). E com Cipriano não estava de acordo também Estevão (que era bispo de Roma) o qual não queria que os heréticos fossem rebatizados, com efeito, dizia: ‘Se portanto heréticos vierem a nós, de qualquer seita, não se faça alguma inovação, mas somente se siga a tradição, impondo-lhes as mãos para recebê-los em penitência, visto que os própios heréticos, de uma seita para outra, não batizam segundo o seu rito particular os que passam para a sua parte, mas os admitem simplesmente na comunhão’.
Vejamos as discórdias entre Jerónimo e Agostinho. Jerónimo afirmava que Paulo quando repreendeu Pedro em Antioquia usou uma mentira estratégica enquanto Agostinho afirmava que Paulo não fez uso de nenhum tipo de mentira mas reprovou justamente Pedro pelo seu comportamento, com efeito, numa carta a Jerónimo lhe diz: ‘No teu Comentário à Epístola do apóstolo Paulo aos Gálatas encontrei um particular que me desconcertou bastante. Se, de facto, na Sagrada Escritura se admitissem mentiras por assim dizer oficiosas, que autoridade poderia ela ainda ter? (…) aplica-te com ardor e corrigir aquele teu trabalho e emenda-o dos erros e depois – como costuma dizer-se – canta a palinódia (retratação)’ (ibid., 40, 3,3; 4,7: pag. 305, 309), e numa outra ainda: ‘Eis por que diz a verdade quando diz se ter apercebido que Pedro não procedia retamente conforme a verdade do Evangelho e se lhe ter por isso oposto abertamente, porque obrigava os pagãos a observar os ritos judaicos’ (ibid., 82, 2,22: pag. 701). Ora, nós estamos de acordo com Agostinho ao dizer que Paulo não usou uma mentira estratégica ao repreender Pedro, porque Pedro errou e foi por ele repreendido justamente, porque esta é a verdade. Mas como pode um Católico romano, a quem é dito para interpretar a Escritura apoiando-se no parecer destes dois eminentes pais, conseguir interpretar rectamente as palavras de Paulo? Será impossível porque as interpretações são contrastantes! Não é esta a demonstração que não é coisa nada segura alguém apoiar-se na guia dos chamados pais para compreender as Escrituras? Uma outra coisa em que Agostinho e Jerónimo não se encontravam de acordo era sobre a tradução da Bíblia feita por Jerónimo em Latim (chamada a Vulgata). A Agostinho não agradava, com efeito, lhe disse: ‘Quantos depois pensam que eu tenha ciúmes dos teus úteis trabalhos, percebam uma boa vez (se contudo for possível) por que não quero que seja lida nas igrejas a tua versão do hebraico: não quero que ela seja introduzida como uma novidade contra a autoridade dos Setenta e se venham de tal modo a perturbar com um grande escândalo os fiéis Cristãos’ (ibid., 82, 5, 35; pag. 717). Deve ser dito depois a tal propósito que o concílio de Trento se alinhou contra o seu pai Agostinho neste caso porque declarou: ‘Além disso, considerando que poderá resultar em não pequena utilidade para a Igreja de Deus, dando-se a conhecer qual de entre todas as edições latinas que correm dos Livros Sagrados, deva ser considerada autêntica, esse mesmo sacrossanto Concílio estabelece e declara que esta mesma antiga edição da Vulgata, aprovada na Igreja pelo grande uso de tantos séculos, se deve considerar como autêntica nas leituras públicas, nas discussões, pregações e exposições e que ninguém, sob qualquer pretexto, se atreva ou presuma rejeitá-la’ (Concílio de Trento, Sess. IV, Decreto 2). Em quem deve crer pois o Católico romano, em Agostinho ou no concílio de Trento que têm ideias opostas sobre a Vulgata? Uma outra divergência entre estes dois ‘pais’ é esta. Jerónimo não considerava canónicos o livro de Tobias, o de Judite, dos Macabeus, da Sabedoria e do Eclesiástico (cfr. Jerónimo, Prólogo a Graciano) enquanto Agostinho os enumerava entre os livros canónicos do Antigo Pacto (cfr. Agostinho, A instrução cristã, Livro II, VIII 13; pag. 89,91).
Tertuliano dizia que Maria não tinha permanecido virgem depois do parto enquanto Agostinho e Jerónimo diziam o contrário.
Papias, Ireneu, Tertuliano, Justino Mártir e Lactâncio criam no reino milenário de Cristo sobre a terra enquanto Agostinho não, porque, como vimos, ele interpretou o milénio alegoricamente. Também Orígenes não cria no milénio, de facto o combateu.
Ireneu dizia que as almas dos Cristãos na morte não sobem logo ao céu porque só irão para o céu na ressurreição dos corpos (cfr. Ireneu, Contra as heresias, Livro V, 31,1-2), enquanto Tertuliano afirmava que o céu se abria logo só para as almas dos Cristãos mortos mártires (cfr. Tertulliano, L’anima [ A alma] , pag. 207).
Orígenes e Gregório de Nissa sustentavam que no fim serão salvos todos os homens, o diabo e os demónios, enquanto Agostinho condenava esta doutrina (cfr. Agostinho, A cidade de Deus. Livro XXI, cap. 17 e cap. 23).
Ireneu e Lactâncio eram contra o culto das imagens enquanto João Damasceno o sustentava com força.
Epifánio era contra o culto a Maria enquanto João Damasceno o pregava com força.
Lactâncio negava a divindade de Cristo enquanto Atanásio, Agostinho e outros chamados pais a defendiam.
Tertuliano, Lactâncio, Teodoreto de Ciro e Cirilo de Alexandria afirmavam que o adultério era causa de divórcio e permitiam um outro matrimónio; enquanto Jerónimo, Clemente Alexandrino, Orígenes e Agostinho eram contra o novo matrimónio em caso de adultério (cfr. Bernardo Bartmann, Teologia dogmatica, vol. III, pag. 391).
Atenágoras considerava as segundas núpcias (dos viúvos) um adultério (também Tertuliano, quando se tornou montanista, condenou as segundas núpcias daqueles que tinham ficado viúvos), enquanto Clemente Alexandrino, Orígenes e Agostinho as defendiam.
Lactâncio era contrário a recorrer ao uso da força para defender a doutrina cristã, com efeito, escreveu: ‘É necessário defender a religião não matando mas morrendo por ela, não com a crueldade mas com a paciência, não com o delito, mas com a fé (…) Porque se tu queres defender a religião com o sangue, com os tormentos e com a dor, isso não será defendê-la, mas emporcalhá-la e ultrajá-la’ (Lactâncio, Epitome divinarum institutionum, Livro V, cap. 20, no Corpus script. eccles. latin, (nuova serie) vol. IV, Milano 1890, pag. 620; citado por Italo Mereu em Storia dell’intolleranza in Europa, Milano 1979, pag. 67); e assim também Tertuliano que afirmou: ‘Todavia é um direito humano e uma exigência natural que cada um venere a Divindade de que está convencido; as convicções religiosas de alguém não trazem a outros nem prejuízos nem vantagens. Além disso a religião exige de per si a recusa de toda a coacção em matéria religiosa, a religião deve ser aceite com espontaneidade e não pela violênca, desde o momento que se pretenda que também as vítimas a oferecer em sacrifício sejam apresentadas com sinceridade e de bom grado’ (Tertulliano, A Scapula, Roma 1980, II, 2; pag. 169). Mas Agostinho de Hipona era favorável ao uso da força para obrigar os pagãos a aceitar o Evangelho e os heréticos a voltar ao seio da Igreja, e para defender a Igreja contra os seus inimigos: ele teve a afirmar de facto: ‘Primeiramente era do parecer que ninguém devia ser conduzido pela força à unidade de Cristo, mas que se devia agir só com a palavra, combater com a discussão, convencer com a razão, para evitar ter entre nós como fingidos católicos aqueles que tinhamos já conhecido entre nós como críticos declarados. Esta minha opinião porém teve que ceder perante a daqueles que me contradiziam já não em palavras, mas que me traziam as provas dos factos. Antes de tudo se me aduzia em contrário o exemplo da minha cidade natal que, enquanto primeiro pertencia inteiramente ao partido donatista, tinha-se depois convertido à Igreja católica por medo das sanções imperiais’ (Agostino, Le lettere, [carta a Vicente], 93, 5.17; pag. 829-831; citarei outras palavras suas a tal propósito em seguida).
Agostinho dizia que se podia jurar, com efeito, afirmou: ‘O Senhor, pois, não mandou não jurar, como coisa completamente ilícita, mas, para que não apeteça a alguém jurar, como se fosse por si mesmo bom, e para que ninguém jure facilmente sem necessidade, e caia em perjúrio pelo hábito de jurar. Não devemos olhar o juramento em si mesmo como um bem, mas como uma coisa que se pode usar por necessidade e da qual nos devemos servir somente quando se vê que os homens são relutantes a crer o que lhes é útil crer, se não for confirmado pelo juramento’ (Agostino, Il sermone del Monte, Firenze 1928, cap. XVII; pag. 63), enquanto Crisóstomo ensinava abertamente que nunca se deve jurar porque o juramento é algo de malvado: ‘Mas como, – vós direis, – que mal há em jurar? Certamente que é mau jurar, desde que reina a perfeição evangélica; mas antes não o era’ (Giovanni Crisostomo, Commento al Vangelo di Matteo [ Comentário ao Evangelho de Mateus] , Roma 1966, Discurso XVII, 6; pag. 285).
Eis alguns dos muitos exemplos de contradições entre pais que se podem citar. Nós perguntamos a este ponto: Como se podem pôr as palavras destes chamados pais ao mesmo nível das palavras de Cristo e dos apóstolos quando eles não eram concordes entre si? Como pode ser digna de ser escutada como Palavra de Deus uma tradição que no seu interior tem semelhantes contradições? A teologia romana faz passar os pais por guardas da tradição apostólica, mas como se explica que eles se desencontrem uns com os outros afirmando de ambos os lados basear-se na tradição?
Portanto, para concluir este discurso, o facto de a Escritura não se contradizer sobre nenhum ponto enquanto esta chamada tradição apostólica dos chamados pais se contradizer no seu interior em muitíssimos pontos demonstra que a Escritura é a Palavra de Deus plenamente fiável e digna de absoluta confiança, enquanto a tradição não é mais que um conjunto de doutrinas que, excepto quando são escriturais, estão em contradição entre si e trazem confusão na mente daqueles que as seguem. Portanto, enquanto da Palavra de Deus temos que dizer que a soma dela é verdade, da tradição (o ensinamento dos chamados pais) temos que dizer que é uma mistura de verdade e de mentira; a verdade é constituída por todas as afirmações verazes de Tertuliano, de Agostinho, de Ambrósio, de Jerónimo, de Gregório Magno e de todos os outros, a mentira, ao contrário, por todas as doutrinas e afirmações que não têm nada a ver com a verdade sendo só doutrinas de homens que se desviam da verdade. A regra pois a seguir quando se lêem os escritos destes chamados pais – como também os escritos de qualquer outro – é esta: examinar cuidadosamente o que eles disseram pelas Escrituras e descartar sem hesitação o que não tem fundamento na Escritura. Seguindo-a não nos podemos perder atrás de doutrinas de homens.
 
Os concílios: as suas heresias e as suas contradições
 
Segundo os teólogos papistas os concílios são parte da sua tradição, e de facto para eles constituem continuamente pontos de referência no que diz respeito à doutrina da igreja romana. Eles atribuem aos decretos dos concílios igual importância que à Palavra de Deus, porque consideram que os seus concílios se reuniram no Espírito Santo. Para eles são infalíveis porque o concílio Vaticano II decretou quanto segue: ‘A infalibilidade prometida à igreja reside também no corpo episcopal, quando este exerce o supremo magistério com o sucessor de Pedro’ (Concílio Vaticano II, Sess. V. cap. III). Agora, demonstraremos com alguns exemplos como os concílios decretaram coisas contrárias à Palavra de Deus ou decretaram coisas que antes ou depois foram condenadas por outros concílios ou por chamados pais ou por papas mesmo. Fazemos isto para que quem lê compreenda como os concílios não podem ser postos sobre o mesmo plano nem da assembleia de Jerusalém nem da Escritura como querem antes os Católicos porque ensinaram também eles (como fizeram os seus pais) heresias (assim não fez a assembleia de Jerusalém e assim não faz a Escritura) e se contradisseram uns aos outros da maneira mais descarada (enquanto a Palavra de Deus não se contradiz sobre nenhum ponto).
Ÿ Heresias ensinadas pelos concílios.
Os concílios de Tiro (335), Antioquia (340), de Milão (355) e de Rimini (359) aprovaram a heresia de Ário que negava a divindade de Cristo.
O concílio de Éfeso (431) declarou Maria ‘mãe de Deus’.
O terceiro concílio de Constantinopola ordenou que os matrimónios contraídos com os heréticos se deviam dissolver.
O quarto concílio de Latrão (1215) decretou a transubstanciação e a confissão ao padre de todos os pecados a fazer-se ao menos uma vez por ano e que os heréticos deviam ser exterminados.
O concílio de Constança (1415) decretou a supressão do cálice e que era lícito não manter o juramento feito aos heréticos.
O concílio de Florença (1439-1443) proclamou oficialmente a existência do purgatório.
O concílio de Trento (1545-1563) acrescentou aos livros canónicos os livros apócrifos, declarou que a tradição deve ser reverenciada a par da sagrada Escritura, e definiu a instituição de todos os sacramentos por parte de Cristo e o seu número septenário.
O concílio Vaticano de 1870 decretou a infalibilidade do papa.
Ÿ Contradições entre os próprios concílios e com os chamados pais e papas.
O concílio de Elvira (306) impôs o celibato aos padres (ou pelo menos a completa abstenção de relações conjugais), enquanto o de Constantinopola de 692 (que tem o nome de Quinisextus in Trulloou simplesmente Trulano) decretou que os padres podem continuar a viver no matrimónio celebrado antes da sua ordenação, abstendo-se das relações conjugais apenas no dia do seu serviço sagrado, enquanto nos outros dias podem conviver como marido e mulher com a sua esposa.
O concílio de Nicéia de 325 condenou a heresia de Ário, mas dez anos depois o concílio de Tiro, que se transferiu para Jerusalém, decretou contra a decisão de Nicéia e restabeleceu Ário e proclamou doutrina da Igreja a heresia condenada pelo concílio niceno. O concílio de Antioquia (340) reconfirmou a decisão de Tiro, enquanto o de Sárdica de 343 condenou de novo a doutrina de Ário. A seguir o concílio de Milão (355) e o de Rimini (359) decretaram de novo a favor da heresia de Ário.
O concílio de Éfeso de 431 condenou a doutrina de Eutiques mas o de 449 a aprovou, e depois o de Calcedónia (451) a condenou de novo.
O terceiro concílio Constantinopolitano ordenou, no segundo cânon, que se rebatizassem os que tinham sido batizados pelos heréticos; enquanto o seu pai Agostinho e o seu papa Estevão tinham declarado que não se devia rebatizá-los.
O concílio de Constantinopola (754) condenou expressamente o culto das imagens que figuravam Cristo, Maria e os santos. No documento final deste concílio estão escritas estas palavras: ‘Nós podemos além disso demonstrar o nosso sentimento por meio das santas Escrituras e dos pais. De facto lê-se na Escritura: “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade”; e: “Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu, nem em baixo na terra”; também Deus falou aos Israelitas do meio do fogo e do cume da montanha e não lhes mostrou nenhuma imagem; numa outra passagem: “Mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível.. e adoraram e serviram a criatura em vez do Criador” (…) Nós portanto nos apoiando na santa Escritura e nos Pais, declaramos unanimemente, em nome da santa Trindade, que nós condenamos, rejeitamos e afastamos com todas as nossas forças da Igreja cristã qualquer imagem de qualquer maneira que seja feita com a arte da pintura’. Mas o concílio de Nicéia de 787 negou a ecumenicidade do concílio de 754 e aprovou uma definição de fé sobre a legitimidade das imagens e a natureza do culto relativo que se concluia com quatro condenações dos iconoclastas. No documento final se lêem as seguintes palavras: ‘ Nós definimos com todo o rigor e cuidado que, à semelhança da preciosa e vivificante Cruz, assim as venerandas e sagradas imagens pintadas quer em mosaico quer em qualquer outro material adaptado, devem ser expostas nas santas igrejas de Deus, nas alfaias sagradas, nos paramentos sagrados, nas paredes e mesas, nas casas e ruas; sejam elas a imagem do Senhor Deus e Salvador nosso, Jesus Cristo, ou a da Imaculada Senhora nossa, a Santa Mãe de Deus, dos anjos dignos de honra, de todos os santos e piedosos homens. Com efeito, quanto mais continuamente eles sejam vistos nas imagens, tanto mais os que as vêem são levados à recordação e ao desejo daqueles que elas representam e a tributar a eles respeito e veneração’. Não acabou aqui, porque no concílio de Frankfurt de 794 vem condenado de novo o culto das imagens que tinha sido aprovado no concílio de Nicéia de 787. Por fim este culto das imagens vem aprovado pelo concílio de Trento (cfr. Concílio de Trento, Sess. XXV).
O concílio de Constantinopola (754) negou a presença real e a transubstanciação porque chamou o pão e o vinho da santa ceia ‘a imagem do corpo vivificante de Cristo’, enquanto o concílio Latrão IV e o de Trento declararam a presença real e a transubstanciação.
O concílio de Constança em 1415 declarou o concílio superior ao papa, com efeito, disse: ‘Qualquer um, de qualquer condição e dignidade, incluída a papal, é obrigado a obedecer-lhe…’ (Concílio de Constança, Sess. IV. Recordamos que este concílio depôs três papas, a saber, João XXIII, Gregório XII e Bento XIII), enquanto o concílio Lateranense V (1512-1517) afirmou o contrário dizendo: ‘O romano pontífice, enquanto tem uma autoridade superior a todos os concílios, tem pleno direito e poder de convocar, transferir, dissolver os concílios’ (Concílio Lateranense V, Sess. XI). Ainda o concílio de Constança decretou a supressão do cálice mas o de Basiléia decretou a restituição dele aos Boémios (restituição abolida a seguir por Pio V).
O concílio de Trento em 1546 declarou canónicos os livros apócrifos incluindo-os no cânon; com esta decisão o concílio de Trento anulou a decisão que o concílio de Laodicéia, realizado na segunda metade do século IV, tinha tomado a respeito do livro de Judite, do de Tobias, da Sabedoria, do Eclesiástico, e dos livros I e II Macabeus, que tinha sido a de não declará-los canónicos. Em outras palavras o concílio de Trento declarou nula a decisão de não incluir estes livros no cânon tomada pelo concílio de Laodicéia. A prova que estes livros apócrifos por aquele concílio de Laodicéia não foram reconhecidos inspirados por Deus a se encontra no cânon n° 60 onde é enumerado o catálogo dos livros do Antigo Pacto que é privado do livro de Judite, do de Tobias, da Sabedoria, do Eclesiástico e dos Macabeus.
Julgamos que estes exemplos são suficientes para fazer compreender quais heresias os concílios introduziram na igreja católica romana e em quais contradições caíram também os concílios no curso do tempo [19]. Come se pode portanto reputar também a tradição derivada dos concílios Palavra de Deus quando ela contradiz em muitos pontos a Sagrada Escritura e se contradiz ela mesma? Dos exemplos dos concílios supracitados pareceria que Deus tenha renegado a sua palavra várias vezes, e primeiro dizia uma coisa e depois dizia uma outra totalmente diferente sobre o mesmo assunto e depois repensava voltando a dizer a coisa por ele declarada interdita. É evidente pois que as decisões dos concílios não podem ser aceites como Palavra de Deus porque muitas delas contrastam abertamente a Palavra de Deus e porque os próprios concílios se anulam uns aos outros. É muito melhor confiar totalmente na Escritura que é a Palavra de Deus que não se contradiz sobre nenhum ponto, apesar de ser formada por livros escritos no arco de mais de mil anos por autores diversos, e que em todos estes séculos se revelou infalível e imutável. A Escritura é infalível e autorizada Palavra de Deus capaz de guiar os homens no caminho santo sem fazê-los tropeçar! A Escritura é a Palavra de Deus que pode salvar os homens das trevas onde se encontram e levá-los para a luz. Mas por quanto respeita a muitos decretos dos concílios que se realizaram no curso dos séculos eles são preceitos humanos que contribuem para manter na escuridão da superstição e da incredulidade as pessoas que os aceitam e que mantêm as pessoas num estado de aberta rebelião a Deus.
 
Algumas considerações finais sobre os chamados pais e sobre os concílios
 
Vimos algumas das heresias de alguns daqueles que a igreja católica romana chama pais da igreja e de alguns dos muitos concílios realizados no curso dos séculos, e algumas das contradições existentes entre eles; mas como também pudemos ver no meio de muitas heresias e contradições também existem afirmações justas. E como só citei uma parte das heresias e contradições assim só citei uma parte das afirmações justas feitas pelos chamados pais e pelos concílios. Quero dizer portanto isto: ninguém pense ou se ponha a dizer que nada de justo ou verdadeiro se encontra nos escritos dos escritores eclesiásticos antigos ou nos concílios antigos porque isso não é de modo nenhum verdade. Aduzimos mais provas – além das já citadas aqui e ali no livro – para confirmar que aqueles antigos escritores eclesiásticos não fizeram só afirmações erradas introduzindo ou confirmando doutrinas ou práticas pagãs, mas também defenderam alguns pontos doutrinais fundamentais.
Pelo que diz respeito aos chamados pais, estes poucos exemplos.
Inácio pôs de sobreaviso os crentes das doutrinas gnósticas e docetistas; um exemplo disso o temos na sua epístola a Esmirna onde escreve aos crentes daquela cidade para se guardarem da heresia dos Docetas. Ireneu se opôs aos Gnósticos; o seu livro Adversus Haereses (Contra as heresias) contém a confutação das doutrinas dos Gnósticos (os Gnósticos negavam, entre outras coisas, que Jesus era o Cristo); mas nele existem algumas afirmações suas erradas. Atanásio se opôs à doutrina de Ário que negava a eternidade e divindade de Cristo (dando porém algumas interpretações erradas a algumas passagens da Escritura). Tertuliano se opôs ao gnóstico Marcião e aos seus seguidores escrevendo contra eles (também ele porém ao defender a verdade disse coisas erradas). Agostinho se opôs com os seus escritos aos Pelagianos que negavam a doutrina do pecado original (mas ao confutá-los atribuiu ao batismo o poder de cancelar os pecados).
Também por quanto respeita aos concílios, é necessário dizer que determinadas deliberações de alguns deles foram nitidamente em defesa do Evangelho; também aqui queremos citar alguns exemplos para confirmá-lo.
O concílio de Nicéia de 325 condenou a heresia de Ário que afirmava que Cristo não era co-eterno com o Pai porque também ele foi criado do nada. O concílio de Constantinopola de 381 condenou a heresia de Macedônio que afirmava que o Espírito Santo era uma criatura subordinada ao Pai e ao Filho: o mesmo concílio condenou a heresia de Apolinário que sustentava que Cristo tinha sido dotado de um verdadeiro corpo e de uma verdadeira alma, mas que o seu espírito tinha sido substituído pelo Logos (a Palavra). O concílio de Éfeso de 431 condenou a doutrina de Nestório (que dizia que Cristo era com efeito só um homem moralmente perfeito ligado à divindade); este mesmo concílio condenou as ideias de Pelágio que sustentava que o homem nasce não contaminado pelo pecado.
Nos pareceu justo e necessário fazer este discurso para evitar que alguém se ponha erradamente a pensar que nenhum dos antigos escritores por nós mencionados e dos concílios se levantaram em favor da verdade sobre nenhuma parte do conselho de Deus. É verdade que a igreja católica romana cita os seus pais e os concílios como se eles tivessem estado de acordo com tudo o que ela ensina hoje, mas isso não é de modo nenhum verdade porque como pudemos ver no curso da nossa exposição eles disseram também coisas justas que se opõem a ela própria; e de facto ela se acha em grande embaraço ao constatar isto, e está impossibilitada de demonstrar o contrário.
 
CONCLUSÃO
 
Para concluir nós dizemos que nos queremos ater à autoridade da sagrada Escritura – autoridade que ela possui já em si mesma e que não recebe da Igreja – que sabemos ser uma guia infalível e segura. Os escritos de Tertuliano, Justino Mártir, Agostinho, Ambrósio e outros, pelo contrário, não se podem citar da mesma maneira que os Escritos sagrados porque são imperfeitos, estão cheios de erros e de contradições. Aceitamos as coisas justas que eles disseram porque são conformes à Escritura, e nos regozijamos em lê-las, mas rejeitamos decisivamente tudo o que de falso eles disseram porque constitui mau fermento. Que pois ninguém se deixe enganar pelo facto de eles serem honrados – injustamente – com o título de pais da igreja e se ponha a aceitar tudo o que eles disseram porque se poria contra a verdade e ficaria confundido porque eles próprios se contradizem a eles mesmos e entre eles. Um discurso similar – mesmo se um pouco diferente – se poderia fazer também sobre os ‘reformadores’, Lutero e Calvino, para citar só alguns; também os seus escritos contêm afirmações e doutrinas erradas que nós crentes não podemos aceitar porque contrastam a verdade. Lutero por exemplo ensinava o batismo dos meninos contradizendo-se [20], e ensinava também a presença real no pão e no vinho (consubstanciação) [21] mas negava a transubstanciação dos elementos, e definiu a epístola de Tiago uma epístola de palha, para citar só algumas suas erradas afirmações. Por quanto respeita a Calvino, ele ensinava o batismo dos infantes, sustentava que um crente não pode de nenhuma maneira perder a graça sendo dele a doutrina ‘uma vez salvo, salvo para sempre’, que Deus tinha cessado de operar milagres através dos seus servos, com efeito, disse que Deus ‘não manifesta mais o poder nem os milagres que se faziam por mão dos apóstolos visto que aquele dom foi limitado no tempo e desapareceu em parte também por causa da ingratidão dos homens’ (João Calvino, Instituições da Religião Cristã, Livro IV, cap. XIX), e que era lícito à Igreja fazer recurso às autoridades civis para punir os heréticos ou os desordenados e de facto foi o Consistório de Genebra, com ele à cabeça, que sentenciou a morte de Serveto que era antitrinitário, e além disso ele permitia em caso de adultério que o cônjuge inocente passasse a novas núpcias.
No entanto apesar disso, nós reconhecemos que Deus se usou daqueles homens para sacudir a igreja católica romana e para levar o Evangelho da graça a muitas almas. E nós estamos gratos a Deus pelo que de justo e de verdadeiro aqueles homens disseram aos seus dias. E da sua obra nós ainda vemos os frutos após mais de quatro séculos. Fique firme porém que o que de falso e injusto disseram ou fizeram Lutero ou Calvino nós o rejeitamos a par daquilo que de falso e de injusto disseram ou fizeram Agostinho, Jerónimo ou Ambrósio e outros. Longe de nós o fazer acepção de pessoas em relação a eles.
Pessoalmente cheguei a esta conclusão depois de ter lido alguns escritos destes chamados pais e as actas de diversos concílios da antiguidade (me refiro em particular aos chamados pais e aos concílios dos primeiros seis-sete séculos); que o Senhor também durante aqueles séculos durante os quais surgiram muitos falsos doutores no seio da sua Igreja que introduziram muitas falsas doutrinas e práticas supersticiosas continuou a ter em todo o lugar aqueles que o amavam e o adoravam em espírito e verdade e se opunham às heresias que despontavam uma atrás da outra. O facto porém é que alguns daqueles que se opuseram a certas heresias se opuseram fazendo uso também de erradas doutrinas. Em outras palavras, nem sempre os escritores eclesiásticos antigos se opuseram às heresias como convinha, isto é, com uma doutrina pura de toda a escória.
Uma outra coisa que se pode verificar nos discursos daqueles escritores é que há algumas partes integras, isto é, puras, por cuja leitura se fica edificado mas há outras que estão contaminadas pela mentira, pela superstição que se fica maravilhado em ter que constatar como da mesma fonte saíram verdade e mentira. Um exemplo para todos, Gregório Magno; disse também coisas verdadeiras, mas nos seus Diálogos existem histórias profanas e de velhas que ele conta para sustentar o purgatório. Foi ele de facto um dos pais do purgatório. Não se pode deixar de ficar triste e indignado ao ler aquelas fábulas. Além disso fez um mau uso da alegoria dando interpretações fantasiosas a muitas passagens da Escritura. Esta coisa a se pode verificar ainda hoje no âmbito do catolicismo; há escritores católicos romanos que conseguem demonstrar com as Escrituras que os Testemunhas de Jeová – tomo eles como exemplo – dizem o falso quando afirmam que Jesus não é Deus ou que não existe o inferno ou que o homem não tem uma alma, ou que o Espírito Santo não é uma pessoa; e o fazem bastante eficazmente, e estamos de acordo com estes seus discursos, mas ao mesmo tempo os seus livros de controvérsia estão cheios de discursos em favor da salvação por méritos, do purgatório, do culto a Maria e por aí fora. Em suma contêm o trigo e a palha; a verdade e a mentira. Uma parte deles estão a favor da verdade, uma outra parte contra a verdade. Não se podem portanto rejeitar totalmente, mas nem aceitar totalmente. As coisas se repetem à distância de muitos séculos. O que se aprende de tudo isto? Que a igreja católica romana, embora tenha no curso dos séculos introduzido toda a sorte de mentiras e superstições – que formam a sua tradição – que anularam a graça, todavia continuou a afirmar a Trindade, que Cristo é Deus, (excluindo alguns períodos remotos em que tinha aprovado a heresia ariana) que ele levou os nossos pecados, que ressuscitou ao terceiro dia, que apareceu e foi elevado ao céu, que a Escritura é inspirada por Deus. E Deus continuou a vigiar sobre esta parte sã da sua mensagem (ou seja sobre a sua palavra assim como está escrita na Bíblia) fazendo perceber a muitos seus membros que o Cristo de que tinham ouvido falar tinha já feito todas as coisas para a sua salvação e que não ficaram obras meritórias por fazer para obtê-la mas que só tinham que arrepender-se e crer nele. E portanto que a maneira para obter a justificação, a salvação e a vida eterna de que falavam os seus guias era falsa. Isto efectivamente foi o que sucedeu a muitos Católicos romanos no curso dos séculos; iluminados por Deus sobre o significado de algumas palavras da Boa Nova que liam ou ouviam dos seus próprios superiores se arrependeram e creram em Cristo obtendo gratuitamente de Deus a salvação da sua alma. Nisto vemos a demonstração do poder e da sabedoria de Deus que no meio de uma igreja idólatra como é a igreja católica romana conseguiu até a este dia iluminar muitas almas e salvá-las dos seus pecados. Podemos dizer que a igreja católica romana surgiu por querer de Deus porque Deus tinha decidido mostrar à humanidade que não importa quanto os homens corruptos e reprovados quanto à fé procurem obscurecer a luz do Evangelho, não importa quanto os homens procurem proibir a leitura do Evangelho ou a sua escuta, Ele continuará a reinar sobre o seu trono, e as sortes do homem estão nas suas mãos e não nas mãos dos homens, e quando decidiu salvar uma alma o fará como e quando quer sem que alguém lhe o possa impedir. Lancem os anátemas os concílios, lancem as suas excomunhões os papas, Deus reina! Diga-se entre as nações: O nosso Deus governa o universo, dele dependem os caminhos dos papas, dos cardeais, dos bispos e dos padres e de todos os Católicos romanos. Ele continuará a arrancar do poder das trevas muitos católicos romanos, aqueles que ele dantes conheceu e predestinou. Estes crerão na verdade do Evangelho assim como está escrita; mesmo se por um certo tempo – mais ou menos longo – permanecerão ligados à superstição e à mentira, vem o dia em que Deus fará ver a todos quem ele é e que as suas ovelhas não permanecerão para sempre nas mãos destes homens maus.
 
 
NOTAS
 
[1] O concílio de Trento afirmou que as tradições não escritas ‘ recebidas pelos Apóstolos da boca do próprio Cristo e dos próprios Apóstolos, sob a inspiração do Espírito Santo, chegaram até nós como que entregues de mão em mão’ (Sess. IV, primeiro decreto).
 
[2] Por concílio se entende uma assembleia dos prelados da igreja católica, convocados para definir questões de fé, moral e disciplina eclesiástica. Antigamente era chamado também ‘sínodo’, e segundo o direito canónico pode ser de três tipos: provincial, se contempla a reunião dos bispos ordinários de uma única província eclesiástica; plenário, se acolhe bispos de diversas províncias; ecuménico (o termo deriva de uma palavra grega que significa ‘terra habitada’) ou universal, quando a assembleia é constituída pelos ‘bispos de toda a igreja que, convocados pelo papa e por ele presididos (ou por um seu legado) deliberam acerca de assuntos que interessam à inteira comunidade’. A propósito destes últimos deve ser dito que os primeiros sete concílios ‘ecuménicos’ ou seja os de Nicéia I (325), Constantinopola I (381), Éfeso (431), Calcedónia (451), Constantinopola II (553), Constantinopola III (680-681) e Nicéia II (787), foram convocados pelo imperador e não pelo bispo de Roma e os bispos de Roma não ocupavam neles nenhuma posição de preeminência em relação aos outros bispos. Estes concílios são reconhecidos ‘ecuménicos’ tanto pela igreja católica romana como pela igreja ortodoxa. Os outros concílios ‘ecuménicos’ são os de Constantinopola IV (869-870), Lateranense I (1123), II (1139), III (1179), IV (1215), Lião I (1245) e II (1274), Viena de França (1311-1312), Constança (1414-1418), Basiléia-Ferrara-Florença (1431-1443), Lateranense V (1512-1517), Trento (1545-1563), Vaticano I (1869-1870), Vaticano II (1962-1965). Estes não são porém reconhecidos como ecuménicos pela igreja ortodoxa mas somente pela latina. Há porém historiadores e teólogos papistas que não partilham a ecumenicidade de alguns destes.
 
[3] Se tenha presente que a tradição para a igreja católica romana é necessária para a salvação porque como vimos para ela a Bíblia não contém tudo o que é necessário para a salvação. Mas se tenha também bem presente que os escritos dos chamados pais, as actas dos concílios, as bulas dos papas formam uma série de centenas de grossos livros, o que significa que alguém para ser salvo deveria ir ler toda esta série de grossos livros para conhecer a tradição. Mas o facto é que admitindo ainda assim que alguém vá ler todos esses grossos livros para certificar-se da tradição no fim se encontrará diante de obstáculos intransponíveis porque encontrará, como já vimos em parte quando falamos dos papas e como veremos dentro em pouco, um montão de contradições entre os papas, os chamados pais e os concílios, provas estas que a tradição não se pode pôr ao mesmo nível da sagrada Escritura.
 
[4] Nos factos porém a tradição é considerada superior à sagrada Escritura. Eis por exemplo o que disse o cardeal Barônio: ‘Ora a tradição, sendo a base das Escrituras, se isso se perturba, todo o edifício se precipita. Quem não se apercebe disso? Permaneça então firme, e válido, que a Igreja de Deus, logo que fundada, começou a acalentar-se e a propagar-se, não tanto com os escritos, quanto com as tradições apostólicas; e os próprios fiéis estão obrigados tanto a estas, quanto o estão àqueles, mas estas, as tradições, superam os escritos, de modo que os escritos não podem subsistir sem as tradições, enquanto as tradições têm firmeza, mesmo se não houvessem os escritos’ (Baronio, Ann. Eccl. Ann. Chr. 53, n° 11). Além disso deve ser dito que na igreja católica romana, segundo uma bula de Pio IV, aqueles que devem ser promovidos a alguma dignidade eclesiástica têm que fazer uma profissão de fé em que está contido este artigo: ‘Creio firmemente e professo as tradições apostólicas e eclesiásticas, como também todas as determinações e constituições da santa madre Igreja…’.
 
[5] Alguns exemplos de notas desviantes são estas presentes na Bíblia Ed. Paulinas de 1990 (sexta edição.). Numa nota à passagem: “Mas não se chegou a ela, até ao nascimento do filho que ele chamou Jesus” (Mat. 1:25) se lê: ‘A expressão de Mt – pretende demonstrar a concepção virginal de Jesus – não implica, na linguagem semítica, que a situação ‘depois’ tenha mudado’. Numa nota (Gal. 1:19) que explica quem é Tiago, o irmão do Senhor, se lê: ‘Tiago, o irmão, isto é parente, primo do Senhor, deve-se distinguir de Tiago de Zebedeu…’. Numa nota que explica as palavras de Jesus “Bem-aventurado és tu, Simão filho de Jonas….” (Mat. 16:17-19) se lê: ‘Com linguagem de forte sabor semítico – carne-sangue, Cefas-Pedro, portas dos infernos , ligar-desligar – que dela assegura a mais alta antiguidade, Jesus prometeu a Pedro que ele será a rocha sobre quem apoiará a sua Igreja, a qual será inexpugnável pelas forças adversas. Pedro é assim constituído, como vigário de Jesus, fundamento e cabeça da Igreja, com o poder legislativo e judiciário. O seu operado será convalidado por Deus. A exegese católica considera que estas promessas valem também para os sucessores de Pedro, baseando-se na intenção de Jesus de prover ao futuro do Reino fundado por ele, que devia sobreviver a Pedro e tornar-se eterno e universal’. Numa nota que tenciona explicar as palavras de Paulo aos Coríntios “será salvo, todavia como que pelo fogo” (1 Cor. 3:15) se lê: ‘A salvação como que pelo fogo denota uma obtenção difícil. Orígenes reconheceu primeiramente aqui a indicação do purgatório; a seguir dele não poucos católicos utilizaram esta passagem para confirmação de tal ensinamento da Igreja’. A propósito do discurso de Pedro na assembleia de Jerusalém (Actos 15:7-11) se lê em nota: ‘Fala Pedro, como cabeça da Igreja…’. Numa nota sobre a ceia do Senhor (Mat. 26:26-29) se lê: ‘A Eucaristia é sacrifício e sacramento’. Numa nota que comenta as palavras de Maria ao anjo: “Como acontecerá isso, pois não conheço homem?” (Lucas 1:34) se lê: ‘A pergunta de Maria ao anjo não teria sentido se não tivesse no coração o propósito de perpétua virgindade..’. Para explicar as palavras de Lucas: “Deu à luz o seu filho primogénito” (Lucas 2:7) a nota diz: ‘Lc diz Jesus primogénito e não unigénito, para preparar a cena da apresentação ao templo…’. Para explicar a purificação que Maria fez após ter dado à luz Jesus (cfr. Lucas 2:22) na nota se lê: ‘À purificação estava obrigada só a mãe, Lv 12,2-8, e não estava obrigada Maria, puríssima: todavia o evangelista quer sublinhar a fidelidade à observância da lei por parte dos pais de Jesus e indicar a Cidade santa como ponto de partida da salvação trazida por ele’. Sobre as palavras de Jesus aos seus discípulos “a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados…” (João 20:22) se lê em nota: ‘O sopro de Jesus simboliza o dom do Espírito Santo e com ele a participação no poder de Jesus de perdoar os pecados ou de retê-los, isto é, de perdoá-los ou não’. Para explicar com as Escrituras que Pedro pastoreou a Igreja de Roma se lê na nota de 1 Ped. 5:13: ‘Babilónia indica certamente Roma…’. Para explicar como foi na Igreja primitiva que começou o processo que levou à adopção do celibato sacerdotal se lê na nota de 1 Timóteo 3:2 que comenta o facto de o bispo dever ser marido de uma só mulher: ‘A passagem pode portanto documentar o início de um processo que levará rapidamente à exigência do celibato sacerdotal’.
 
[6] A Enciclopédia Católica a tal respeito afirma: ‘Tertuliano foi o único que, conduzido pelo seu exagerado realismo e por teses preconcebidas, cedeu acerca da virgindade de Maria no parto e depois do parto’ (vol. 12, 1271).
 
[7] De qualquer modo deve ser dito que Cipriano nos seus escritos fala da sucessão apostólica e atribui à sede episcopal de Roma uma certa preeminência na Igreja, daqui o facto de ele ter contribuído notavelmente para a formulação do primado do bispo de Roma na Igreja universal.
 
[8] Na Introdução a Os Conúbios adulterinos se lê que a afirmação de Agostinho segundo a qual a separação de que Paulo fala (1 Cor. 7:15) não permite um novo matrimónio ’embora sendo conforme à tradição anterior, é contrária à praxe posterior da Igreja ocidental que viu e vê concedida em 1 Cor. 7,15 a faculdade de passar a novas núpcias, o ‘privilégio paulino’ precisamente’ (em Matrimonio e Verginità[ Matrimónio e Virgindade] , Roma 1978, pag. 225) e numa nota no interior do livro sobre a afirmação acima citada de Agostinho (1,31) lê-se: ‘Ao contrário a Igreja, aplicando o privilégio paulino, considera o matrimónio dissolvido para todos os efeitos e consente uma nova união, desde que com um crente’ (in op. cit., pag. 273). Agostinho portanto, neste caso, para a igreja católica não tem nenhuma autoridade.
 
[9] Termo grego que etimologicamente significa ‘repor uma coisa no seu lugar primitivo’, e que na Escritura é usado uma só vez, quando Pedro diz: “.. convém que o céu receba (Jesus) até os tempos da restauração de todas as coisas… (apokatastasis)” (Actos 3:21). Supérfluo dizer que Pedro quando falou da apocatástase não quis dizer que um dia também os pecadores, o diabo, os anjos rebeldes e os demónios, serão salvos.
 
[10] É verdade que a igreja papista diz que os justos que morrem não vão logo para o céu, mas a doutrina é diferente da de Justino porque segundo ela as almas dos justos vão primeiro para o purgatório expiar as suas culpas para depois ir para o céu antes da ressurreição corporal.
 
[11] À luz das Escrituras esta doutrina é falsa porque, apesar de marido e mulher não deverem fazer nada para impedir a concepção porque isso é um acto de rebelião a Deus, faz-se passar a relação carnal no âmbito do casal que não pode ter ou não pode mais ter filhos ou durante o período de infertilidade como pecado quando a Escritura não a define tal porque diz: “O marido pague à mulher o que lhe é devido, e do mesmo modo a mulher ao marido” (1 Cor. 7:3).
 
[12] Fazemos notar a tal respeito que aos olhos de Deus as segundas núpcias enquanto um dos cônjuges está ainda em vida são adultério, mas as segundas núpcias depois da morte do cônjuge não constituem de modo nenhum adultério como antes afirmava Atenágoras.
 
[13] Confutamos as asserções de Jerónimo. Antes de mais Paulo não mentiu porque ainda aos Gálatas disse pouco antes: “Ora, acerca do que vos escrevo, eis que diante de Deus testifico que não minto” (Gal. 1:20). E depois lembramos que entre o comportamente tido por Paulo com os Judeus em algumas circunstâncias da sua vida e o tido por Pedro em Antioquia há uma grande diferença. O de Paulo não era condenável porque ele se fazia Judeu com os Judeus para ganhá-los para Cristo, e com os crentes que vinham do Judaísmo se fazia Judeu para que eles percebessem que ele não desprezava a lei de Moisés; enquanto o de Pedro em Antioquia era condenável porque ele por medo dos Judeus se retirou dos Gentios, com os quais dantes comia, e começou a impor aos Gentios a observância da lei de Moisés para que fossem justificados. Na substância enquanto Paulo, quando se fazia observador da lei com os Judeus, o fazia para não se tornar causa de tropeço, e não lhes impunha – como nem aos Gentios – a observância da lei para a sua justificação porque ele pregava que se é justificado só mediante a fé e não pelas obras da lei; Pedro em Antioquia era condenável porque ele obrigava os Gentios a observar a lei para serem justificados pela lei. As coisas são pois completamente diferentes. Portanto Pedro se pôs a dissimular e com ele outros; mas quando Paulo viu que não procediam direitamente conforme o evangelho, então repreendeu Pedro. Com justa razão, de cabeça alta, sem temer ser envergonhado por alguém porque ele embora fosse Judeu não obrigava os Gentios (e nem os Judeus) a observar a lei para serem justificados, como pelo contrário fez Pedro em Antioquia.
 
[14] O batismo por tríplice imersão, o comer leite e mel depois do batismo, o não tomar banho pelos sucessivos sete dias, o fazer oblações pelos mortos no aniversário da sua morte, e o fazer o sinal da cruz na testa todas as vezes que se faz qualquer coisa durante o dia, ou o considerar o jejum ou a adoração em joelhos ao domingo uma impiedade, são tudo coisas que dado que não se podem confirmar com as sagradas Escrituras devem ser rejeitadas. Considerai, pelo contrário, se nós as admitíssemos só porque as diz Tertuliano; seríamos obrigados a ter que as defender, isto é, a dizer o porquê de ser justo fazer essas coisas mesmo se não estão escritas. E de que maneira seríamos arrastados a fazê-lo? Com vãos raciocínios, dos quais brotariam a pouco e pouco doutrinas perversas. Isto é o que acontece, com efeito, todas as vezes que se procura justificar mediante as Escrituras tradições humanas que se opõem à verdade.
 
[15] Agostinho aqui cai numa contradição porque num seu livro afirma que ele se submete só à autoridade dos livros canónicos e que tudo o que é necessário à fé e à conduta da vida se encontra nas declarações claras da Escritura, enquanto aqui diz que é necessário professar todas as coisas não escritas recebidas por tradição e que são observadas pelo mundo.
 
[16] Se tenha presente porém que agora para a igreja católica romana o bebé para ir para o paraíso necessita apenas do batismo: e que no caso de morrer sem o ter recebido não irá para o inferno e nem para o purgatório mas para um lugar chamado limbo.
 
[17] Certamente Agostinho contribuiu com os seus escritos para a formação da doutrina do purgatório ainda que seja necessário dizer que nalgumas ocasiões se mostra incerto e duvidoso como nesta citação em que diz que possivelmente aquela opinião é verdadeira. Numa outra ocasião parece mesmo que desminta a doutrina do purgatório que ensina a igreja papista, com efeito, diz: ‘As almas dos justos, separadas do seu corpo, estão em repouso, enquanto as dos ímpios pagam as suas penas, até que os corpos dos justos ressuscitem para a vida eterna e os dos ímpios para a morte eterna, que se chama segunda morte’ (A cidade de Deus, Livro XIII, cap. 8).
 
[18] Isto explica também por que razão ele sustentava que se podia orar pelos defuntos e que os santos mártires podiam interceder pelos vivos; porque nos livros apócrifos, como vimos, existem passagens que sustentam tais práticas.
 
[19] Faço além disso notar que alguns escritores católicos reconheceram que não se pode confiar nas actas dos concílios. Bellarmino por exemplo afirma que por terem sido guardadas com negligência, as actas dos concílios abundam de erros (cfr. Bellarmino, De Concil. lib. 3, cap. 2). E o teólogo Richer na sua História dos concílios é obrigado a confessar, com sua grande dor, ele diz, que não há livros nos quais se achem tantas falsidades, tantos escritos supostos quantos se acham nas actas dos concílios (cfr. Richer, Hist. Concilior. lib. 1, cap. 2). Até das actas de um concílio como o de Nicéia que é definido ecuménico não se pode estar seguro. Barônio (An. 325) baseando-se em diversos escritores antigos diz que muitos cânones deste concílio foram perdidos: e Gregório de Valência é da mesma opinião (cfr. De fide quaest, I, p. 7, § 37). E depois os Orientais admitem 80 cânones deste concílio, enquanto os Ocidentais admitem apenas 20. Juntando todas estas coisas resulta pois um quadro dos concílios que é absolutamente incerto e inconfiável.
 
[20] Para ele o batismo não pressupõe a fé, antes a suscita. Ele disse que ‘uma criança torna-se um crente se no batismo Cristo lhe falar pela boca daquele que a batiza, pois se trata da Sua Palavra, do Seu mandamento, e a Sua Palavra não pode ficar sem fruto’. Como podeis ver por vós mesmos Lutero neste caso disse algo que é anulado pela Escritura. Com efeito, em nenhuma parte é dito que o batismo suscita a fé em quem o recebe. Antes se deve dizer que é a fé surgida no coração do homem após ter ouvido e entendido a Palavra de Deus que suscita nele o desejo de se batizar. O que não pode acontecer num bebé.
 
[21] Por esta posição a respeito do pão e do vinho ele se desencontrou com Zwingli (reformador suíço) que, ao contrário, sustentava que quando Jesus disse: “Isto é o meu corpo” quis dizer que aquele pão significava ou representava o seu corpo.
 
 
 
 Giacinto Butindaro

 

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